Fábio Trancolin
Assim começa mais um dia naquele ano... O ano de 79, eu era feliz
e sabia. Retorno em um pedacinho do passado, pode ser qualquer dia, semana ou
mês. Não que eu não saia de lá, eu gosto de relembrar, é bom, faz bem. No tempo
dos joelhos ralados e dos esfolados que saravam rápido... A simplicidade e
amizade, a felicidade de ter tão pouco que era tanto.
Na parte da manhã, o grupo escolar do lado de casa, tão perto... “e hoje tão distante”... Naquele ano, eu fazia a 4ª serie do primário, a sala da Dona Lena, ainda a encontro e sempre faço questão de abraçá-la, isso faz bem, abraçar alguém que foi tão importante em algum lugar do passado. Alguns alunos ainda encontro, outros nem sei por onde andam... Mas, quando os vejo é bom parar e conversar, e relembrar... Remeto-me ao passado nesse momento e vejo a Arlen sentada na frente com seus longos cabelos, ela encantava sorriso largo... (ela olhou pra trás e sorriu pra mim) beleza da flor menina. Rejane também era encantadora. Parece que ouço o Silvano cantar as suas modas caipiras, que ele ouvia num radinho que tocava na madrugada ou no cair da tarde, “sabe que o menino cantava bem”... Era uma turminha legal, ainda “trombo” com alguns na correria do dia a dia... Cada um no seu rumo diferente, e cada vez mais diferente no presente.
Depois da aula, o mundo nos pertencia, tudo era tão nosso... Parece que não existia essa ganância... Essa pressa de chegar a lugar algum... Se existia, não percebíamos, os vizinhos eram os bons vizinhos, dizem que eles são os nossos parentes mais próximos. Trago as imagens de todas as ruas, os movimentos de tardes tranquilas e sem buzina. Depois do almoço lá ia eu de kichute para o mundo maravilhoso da infância de “Bobby”... A quadra, os amigos e o pé de jenipapo (fizeram a maldade derrubá-lo) a reunião geralmente era em baixo da sua frondosa sombra. Na época de jabuticaba, a molecada invadia os quintais de portões abertos e faziam a festa nos pés “carregadinhos” das “bitelas pretas”’ e como dizia Lobato... “Ploc, uma engolidinha de caldo e pluf! - caroço fora. E tioc, pluf, - tioc, pluf’”, lá passávamos um bom tempo... Tínhamos goiaba, manga... E cerrado, com gabiroba e cajuzinho... Também tínhamos a nossa corrida maluca, com os carrinhos de rolamentos... Foi dada a largada, descia a reta da cadeia velha, a curva à direita na delegacia, entrada do “S” na casa de pedra, e lá vem a curva da vitória no Tiro de Guerra... Quantos esfolados e dedos amassados... As pilhas de sacos de arroz, depois da secagem no asfalto, eram alegria para escalar.
Na quadra um gol no outro, ou os sem camisas contra os com camisas... Jogar “bete” bolinha de borracha tacada certeira derrubou a latinha. O entardecer vem vindo com o perfume de tudo que era bom, café torrado, biscoito frito, bolinho de chuva... Picolezeiro tocou a buzina, “creme holandês”, coco queimado e groselha... “Juju” de uva, tamarindo congelado... Figurinha nova pra trocar? “Peraí” vou ali com a minha bicicletinha azul, passar no portão de alguém, só pra ver se ela está, só pra olhar... Ficava feliz se ela lá estivesse... Corre, o Sitio do Pica Pau Amarelo vai começar... Vem caindo a noite, banho tomado, mas pronto pra rua voltar... A turma espera. E meu pai sempre de volta do trabalho, trazia o suor no rosto, nenhum dinheiro no bolso, mas trazia esperança... Éramos felizes e sabíamos... A felicidade em casa sempre esteve... A noite chegou com os seus barulhos que não era assustadores e que não incomodavam, geralmente, a natureza que nos proporcionava esses ruídos. A mãe chamou, vem jantar, já fez a lição? Está na hora de entrar... Obrigado, agradeço por poder isso contar... Amanhã ao nascer do dia, ir para escola... (...) ela vai olhar para trás...