Fábio Trancolin
“Meu
coração é de cristal, por teu amor, pode quebrar... Olhando o céu eu
recordei... A noite azul, quando de ti me apaixonei, nós dois juntinhos a
sonhar. Trocando juras ao luar...” E recordei mesmo, esse é o inicio da música
de Jerry Adriani ‘Coração de cristal’ na época dos bailinhos na minha casa,
como tocava essa música... Os pequenos compactos que, às vezes, vinham com duas
ou quatro músicas. Na minha casa, tinham vários, entre eles tinha um que quase
furou de tanto tocar, não só ele como outros tantos. Era um compacto de
Frederic François e a música era ‘Un jour
de grand soleil’.
Todos
os sábados, a turma se reunia, não tinha motivo específico, morávamos num
quintal que tinha quatro casas, numa delas morava a Dona Gasparina e, com ela,
três filhos, Marquinho, Cleusinha e a Didi (Dinair). Do outro lado do muro,
tinha o Toninho, da delegacia vinha o escrivão Siron, da marcenaria outros
tantos, e a prima Hélia e o Tio Claudio que trazia os amigos. Pronto virou
festa. O truco na mesa sempre pronta com os tentos. E, assim, na vitrola o som
no chiado da agulha varava a madrugada.
No
quintal, os vizinhos foram mudando, mas sempre estavam presentes e outros
vieram a fazer parte da comunidade da vizinhança. Veio o Divaldo e a Maria,
depois o Bira e a Lena. O Hélio e a Edileusa, também moraram no quintal. Sempre
tinha churrasco, no buraco, a costela de ripa feita na grade. E o compacto
girava... Quando o ‘Divaldão’ veio, ele trouxe uma radiola, aquela das grandes,
e os disquinhos giravam a noite inteira... Os Incríveis, Barros de Alencar,
Tina Charles, Renato e seus Blue Caps, Odair
José, Nelson Ned... “Ah! Se as flores
pudessem falar... Pra você que eu te amo... Se essas rosas pudessem pedir, para
você me amar...” As 20 mais, as 14 mais... E mais outras tantas... E o Rei
sempre presente embalava as canções nas jovens tardes de domingo. E o sertanejo
verdadeiro, também, fazia parte do repertório.
Essa mesma turma fazia as expedições pelos rios
da redondeza. As roças e quantas pamonhas foram feitas de milho roubado na
beira de estrada. Algumas galinhas também, foram adquiridas de maneiras ilícitas. Em um
desses passeios na fazenda “muito além do horizonte da terra vermelha do sertão”
voltávamos e o Jipe do Waldomiro tinha dado problemas e foi obrigado a ser
colocado no caminhão do Tio “Zuza”, e lá víamos nós do chapadão, porém numa
certa altura da estrada o Hilton resolveu conduzir o fusquinha do Célio, dos
filhos do caminhoneiro “Zuza” o “Tita” é o único que não é motorista. Podem
imaginar o que aconteceu, ele subiu no barranco, arrancou a cerca e capotou o
Fusca. Foram obrigados a fazer uma troca, desceram o Jipe e colocaram o
fusquinha na carroceria do caminhão. Dividido o pessoal, ficaram no jipe o
Waldomiro, o pai e a mãe, a Cleuzinha e a Hélia e eu, a ideia era o caminhão
seguir e não distanciar do jipe. Tudo corria bem, o caminhão foi embora e o
jipe enguiçou, parou e ali ficou. Domingo de “tardezinha” não passava ninguém,
o jipe parado...
A
noite veio, ninguém veio nos resgatar. Nada pra comer... Depois de uma
varredura pelo local, encontram essas vendas de beira de estrada que não têm
quase nada pra comer, mas a “marvada”
pinga sempre tem no estoque. Conseguiram uma lata de salsicha e um pacote de
bolacha. Encontram um trator sem ninguém, dele foi tirado óleo diesel que
alimentou o fogo para clarear a noite. No meio da madrugada, passou um trator
que nos rebocou... Na descida do Rio Verdinho, o condutor do reboque dormiu,
saiu da estrada e nos levou para passear no meio do cerrado e barranco, foi
acordado pelos berros dos desesperados. Chegamos em casa com a luz da manhã são
e salvos e mais essa história para contar.