Fábio Trancolin
O
pensamento foi longe e de tão longe me levou ao ver dois moleques de 15 e 16
anos com mochilas nas costas numa estradinha de poeira vermelha, e o cerrado
com cheiro característico do amanhecer. “Eu
vou voltar pro meu cerrado”, e embalar num cheiro do passado a caminho das
terras lá pra bandas do “rasgado”. Certo
dia, eu e o Jairinho resolvemos que iríamos para a fazenda onde morava
Sebastião Fagundes, mais conhecido por “Tião Catira”. Ela ficava lá para os
lados do Ribeirão do meio, sentido a esquerda depois do aeroporto. Saímos de
casa cedo, e colocamos o pé na estrada, mais ou menos estilo Renato Teixeira, “amanheceu,
peguei a sacola e fui viajar”. A ideia era pegar carona, chegamos no acesso a
GO 174 sentido Caçu, e até ali nada, só a pé. Pra chegar na fazenda, tínhamos
que andar quase uns 30 km, passou uma caminhonete e nos deu carona até
determinado ponto, foi pouco, mas já ajudou. E a maior parte de percurso foi
feito na sola mesmo.
Chegamos
à roça, mortos de fome, levamos mochilas, porém mantimentos nada. Mas, isso era
o de menos, o importante era estar lá. Na casa, morava o Tião, a mulher dele a
Carminda e, o Tiãozinho o cunhado, e o filho Ruiter. Lá ele era o caseiro, o
vaqueiro, o faz de tudo. Tião era um sujeito boa praça, tinha várias histórias
a seu respeito, diziam que ele que fazia a suas próprias espingardas e colocava
o cunhado para experimentar, mas antes tomava o cuidado de se proteger (vai que
o experimento não dá certo). Tião, também, era um sujeito nervoso perdia a
paciência muito fácil; tirando leite, se a vaca não ficasse quieta ele mordia
na orelha dela... Era uma “figura”, deixou saudades. Por muito tempo, trabalhou
nas terras do Iron Ferreira. E onde ele morava ao fundo se ouvia a cachoeira do
Rio do Peixe, lugar bom de pescar. E por falar em pescaria logo fomos preparar
as tralhas.
Todo
dia tinha pescaria no ribeirão que dava nome ao lugar, “Córrego rasgado”, quantas traíras, lambaris e ‘lobós’ fisgamos...
Certo dia, resolvemos que iríamos pescar na cachoeira, e fomos, para atravessar
para o outro lado onde tinha o melhor ponto, o único apoio era um arame
amarrado de um lado ao outro, hoje paro pra pensar como é que eu fiz aquilo,
atravessar na correnteza e quase ser levado rio abaixo, sem noção, loucura,
Mas, fizemos e valeu a pena, a pescaria foi satisfatória.
Mas,
não era só peixe, o fogão, a lenha sempre tinha algo diferente, comida na roça
e “trem bão dimais”. E, uma noite, o
Sebastião foi à caça, pegou a cartucheira e saiu, antes deixou um recado,
quando ouvir o tiro mulher, põe a água pra ferver. Então tá, pode deixar disse
ela. Passando um tempo, ouve-se o estampido, e o Jairinho falou pra Carminda,
então? Ela disse, vamos esperar... Passou um tempo, entra o Tião “nervoso” e
joga um ratão do mato no chão, “matei
essa disgraça escutei mexer no milho, liguei a lanterna e atirei, mas num era
paca, foi isso que eu matei”. Isso virou piada...
Uns
dois dias depois, lá vai o Tião de novo com espingarda nas costas, mas, dessa
vez não teve aviso. Demorou, então ouvimos os disparos, será? Passado um tempo
lá vem o homem, todo orgulhoso com dois tatus, um o tiro estraçalhou não teve
como aproveitar, o outro virou farofa. Ficamos por lá uns 15 dias. A casa de
pau a pique, de lugar agradável, e de muitas histórias de mentiroso ao redor do
fogão, ouviram por lá.
A
estradinha das pitangas, gabirobas e dos pés de pequis, e do belo entardecer do
cerrado, ao som do jaó, perdiz e inambu, seriema ao longe cantou, carcará no
pau a observar o chocalho da cascavel no balançar dos guizos no seu som a assustar. Tatupeba e bola, lobo-guará, as cotias e
pacas que na noite que vem vindo, elas saem a espiar. Os tamanduás e os
campeiros com medo se escondem nas árvores retorcidas que os protegem
(protegiam). As pintadas e tantas histórias das zagaias que atravessaram as
belas pintas. E você que lembrou e chorou, eu também choro. Choro por tudo que
nós tivemos e hoje só lembrança deixou. E seria tão bom permanecer nessa
estrada... Nas estradinhas que levam ao caminho do sertão.