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segunda-feira, 19 de maio de 2014

A turma da rosquinha

Fábio Trancolin


Um tema muito discutido e que causa debate é a questão do trabalho infantil. Na Constituição, o jovem só pode trabalhar a partir dos 16 anos; a partir dos 14, somente na condição de aprendiz. Sobre a participação de crianças em teatro, programas de televisão ou filmes, a lei afirma que “a participação de crianças em teatro, programas de televisão ou filmes não é considerada um trabalho regular, na medida em que se trata de uma manifestação artística”. É ou não é um trabalho? Estranho esse ponto.

Comecei falando disso porque hoje me veio à lembrança uma família amiga, os “Nakayamas”, tendo como matriarca a Dona Carmem, que carinhosamente chamava de tia. Ela gerou oito filhos: Yuki, Minoro, Marilza, Meire, Aloisio, Auro, Lauro e Akira. Por dez anos, eles venderam rosquinhas e salgados nas ruas de Rio Verde, sendo figuras conhecidas no comércio local. Pequenos e com a bacia na cabeça ou apoiada no quadril, lá “iam eles” de porta em porta.


Entre os anos de 1972 e 1982, eles estiveram nas ruas, e o faturamento com as vendas das rosquinhas era o “ganha-pão” da família. Dona Carmem separou-se cedo do esposo; o filho mais velho, Yuki, foi morar com o pai e não fez parte da ‘turma da rosquinha’. Minoro saía com a bicicleta carregada e voltava com ela vazia. A pequena Akemi, que, aos sete anos, já estava na lida, a japonesa das coxinhas e rosquinhas, era o xodó de muitos comerciantes. Na marcenaria do meu pai, os mais novos, Auro, Akira e Laurinho, sempre passavam por lá; os marceneiros compravam as rosquinhas e queriam pagar depois, mas ninguém conseguia ficar devendo para “os japas”. Eles “caíam” em cima cobrando e sempre levavam o dinheiro para casa; o que é justo é justo.



O Aloisio conta que havia algumas pessoas que, às vezes, arrematavam todas as rosquinhas, só para poder passar as mãos no fundo da bacia e lamber o creme que acumulava. E que era uma delícia! Tive o prazer de saborear essas “quitandas”! Eles ajudaram no sustento da casa, tiveram infância, brincaram e estudaram. Nenhum deles se sente explorado. Nenhum filho da Dona Carmem reclama dessa situação; para eles, é uma satisfação poder contar essa história. Foi através do trabalho dos meninos que a casa foi mantida. Dona Carmem levantava cedo para amassar a massa, depois enrolar e assar, e as crianças saíam com as bacias, de manhã e à tarde. Sempre havia um japonês na rua vendendo. Aqui, ninguém foi explorado; estudaram e cresceram felizes.



Yuki e Auro já não estão entre nós. A Tia Carmem nos deixou em 2024, sendo bisavó (Sōsobo), avó (Obaasan) e mãe (Haha) realizada. Sempre que podia, ia lá para dar um oi. Ela dizia que não conseguia mais fazer as rosquinhas do passado; “antes era tão fácil e prático”. Mas quem saboreou nunca esquece o sabor de carinho, amor, afeto e muito sacrifício.

Os oito filhos da Dª Carmem, Akira, Lauro, Aloisio, Marilza, Meire, Minoro,Yuki e Auro