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quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Uma feira chamada saudade


Fábio Trancolin 

A feira livre tem caráter diversificado, onde circulam pessoas de todos os tipos, sejam vendedores, compradores ou simples passantes, não é apenas o comércio de frutas, legumes, verduras ou outros itens alimentícios. Há também a característica democrática, já que se encontram todos os tipos de comerciantes nas feiras, desde o pequeno ao grande feirante, bem como as pessoas que a frequentam, já que a feira é aberta e frequentada por pessoas de diferentes origens, independente de classe econômica ou social. A feira livre é uma manifestação da cultura urbana brasileira que se mantém apesar do crescente avanço do desenvolvimento do comércio, a feira livre se mantém viva, tanto nas pequenas como nas grandes cidades, em todos os bairros, seja na periferia ou em bairros nobres. O feirante é um trabalhador itinerante, possui um trabalho árduo e pesado, com uma rotina que se inicia bem cedo, ainda no início da madrugada, com as compras dos produtos a serem comercializados naquele dia. Já vivi essa rotina, eu trabalhei na feira, na primavera de 87, eu contava com os meus dezenove anos, há pouco tinha voltado a morar em São Paulo, estava desempregado, o primo Ricardo, me falou,   “o Luizinho está precisando de alguém pra ajudar ele na barraca”, o Luizinho era o bucheiro (o que vende vísceras de animais), pensei por que não? Não custa tentar... Fui falar com ele, ele me fez a proposta, que era: CZ$ 6.000,00 (seis mil cruzados por mês), mais um frango todos os dias, aceitei, assim, comecei a trabalhar na feira livre.


Na manhã (madrugada – 04:30 h) seguinte lá estava eu esperando ele... a rotina constituía de ir buscar os produtos que estavam guardados nas câmaras frias no bairro do Cangaiba, era colocar as caixas na Kombi e ir para feira montar a barraca. Chegava  na rua da feira, começávamos a montagem, a barraca era dividida em três partes, a mulher dele ficava em uma ponta, onde estava o frango (inteiro, pedaços e miúdos), no meio ficava o Luizinho com as vísceras (fígado, coração, rins, passarinha e bofe...) na outra ponta, estava eu, com o bucho e o mocotó... para piorar o odor, o peixeiro estava sempre ao meu lado limpando as sardinhas, final de feira o cheiro estava impregnado... Mas isso faz parte da rotina da feira... O Luizinho era  palmeirense, quando ele ficou sabendo que eu também era torcedor do Alviverde Imponente, ele ficou muito contente, conhece o hino, canta comigo... “Quando surge o alviverde imponente, no gramado em que a luta o aguarda, sabe bem o que vem pela frente, que a dureza do prélio não tarda... “ ele adorava cantar o hino do Palmeiras... naquele período o Palmeiras estava devendo títulos, o hino não tocava com tanta frequência, curtimos uma longa espera (que só terminaria oito anos depois...) 

  


Sete horas estávamos cada um no seu lugar, barraca montada, ficávamos na espera da freguesia, logo, logo eles chegavam,  os clientes vinham puxando seus carrinhos e de sacolas nas mãos... Segunda e terça era folga... as feiras começavam na quarta-feira, fazíamos cinco feiras por semana... quarta e quinta (São Mateus), na sexta (Vila Formosa), sábado era na Vila Mariana (essa era longe pra caramba, às 03:30 eu estava no ponto esperando, eu aguardava ele no Viaduto da Vila Matilde, pegava o ônibus na Avenida Itinguçu (Vila Ré) o meu pai estava sempre comigo (o Luizinho tirava sarro, papai trouxe o menino) o Seu Jairon era um pai presente, e sair antes das três pra trabalhar, ele queria estar presente e me acompanhar (agradeço muito)... A feira de domingo era na Vila Maria, só não íamos na Zona Oeste... foi um belo aprendizado no pouco tempo em que fui feirante, aprendi muito... 


          

Tinha uma feira que eu gostava muito, a primeira vez que andei pelas suas barracas foi no final da década de 70... para ser mais especifico, o ano era 1978. Feira para mim era uma novidade, ainda não tinha conhecido uma feira tão grande e com tantas barracas, e com aquela variedade... os cheiros e sabores... em 1981, fui morar na rua da feira, na Enéas de Barros... ela tinha início na Avenida Amador Bueno da Veiga, finalizava na Rua São Severo, sempre aos sábados... a feira de sábado... barraca de pastel no início e no final... ainda lembro do cheiro, são olores e aromas inesquecíveis... o peixeiro no início da feira tem um cheiro bom, o problema e no fim de feira (nada apropriado), mas tem a barraca do pastel que o cheiro e bom do início ao fim... a barraca das utilidades, comprei um Bamba nessa barraca, ele era azul e branco, eu fiquei todo bamba... a barraca de variedade, vários tipos de queijos, doces, temperos e macarrão... o cheiro dessa é tentador... nas barracas de frutas, legumes e verduras estão os feirantes mais barulhentos, eles querem ganhar os clientes no grito, isso faz parte da feira, uma maneira de abordar a clientela, são brincadeiras, cantadas e gritos (porém, em 2007, o então prefeito de São Paulo, Kassab, através de um  decreto determinou uma série de mudanças nas feiras livres da cidade e institui uma “lei do silêncio”, para os profissionais das barracas)...  era cada pérola dita por essa turma... O tempo passou, a feira ainda está lá com seus encantos e belezas... cheiros e sabores... feirantes se aposentaram, partiram, uma nova geração substituiu a geração que já tinha substituído... e assim é a feira de cada dia...   uma feira chamada saudade...