Fábio Trancolin
A feira livre tem caráter diversificado, onde circulam pessoas de todos os tipos, sejam vendedores, compradores ou simples passantes, não é apenas o comércio de frutas, legumes, verduras ou outros itens alimentícios. Há também a característica democrática, já que se encontram todos os tipos de comerciantes nas feiras, desde o pequeno ao grande feirante, bem como as pessoas que a frequentam, já que a feira é aberta e frequentada por pessoas de diferentes origens, independente de classe econômica ou social. A feira livre é uma manifestação da cultura urbana brasileira que se mantém apesar do crescente avanço do desenvolvimento do comércio, a feira livre se mantém viva, tanto nas pequenas como nas grandes cidades, em todos os bairros, seja na periferia ou em bairros nobres. O feirante é um trabalhador itinerante, possui um trabalho árduo e pesado, com uma rotina que se inicia bem cedo, ainda no início da madrugada, com as compras dos produtos a serem comercializados naquele dia. Já vivi essa rotina, eu trabalhei na feira, na primavera de 87, eu contava com os meus dezenove anos, há pouco tinha voltado a morar em São Paulo, estava desempregado, o primo Ricardo, me falou, “o Luizinho está precisando de alguém pra ajudar ele na barraca”, o Luizinho era o bucheiro (o que vende vísceras de animais), pensei por que não? Não custa tentar... Fui falar com ele, ele me fez a proposta, que era: CZ$ 6.000,00 (seis mil cruzados por mês), mais um frango todos os dias, aceitei, assim, comecei a trabalhar na feira livre.
Na manhã (madrugada – 04:30 h) seguinte lá estava eu esperando ele... a rotina constituía de ir buscar os produtos que estavam guardados nas câmaras frias no bairro do Cangaiba, era colocar as caixas na Kombi e ir para feira montar a barraca. Chegava na rua da feira, começávamos a montagem, a barraca era dividida em três partes, a mulher dele ficava em uma ponta, onde estava o frango (inteiro, pedaços e miúdos), no meio ficava o Luizinho com as vísceras (fígado, coração, rins, passarinha e bofe...) na outra ponta, estava eu, com o bucho e o mocotó... para piorar o odor, o peixeiro estava sempre ao meu lado limpando as sardinhas, final de feira o cheiro estava impregnado... Mas isso faz parte da rotina da feira... O Luizinho era palmeirense, quando ele ficou sabendo que eu também era torcedor do Alviverde Imponente, ele ficou muito contente, conhece o hino, canta comigo... “Quando surge o alviverde imponente, no gramado em que a luta o aguarda, sabe bem o que vem pela frente, que a dureza do prélio não tarda... “ ele adorava cantar o hino do Palmeiras... naquele período o Palmeiras estava devendo títulos, o hino não tocava com tanta frequência, curtimos uma longa espera (que só terminaria oito anos depois...)
Tinha uma feira que eu
gostava muito, a primeira vez que andei pelas suas barracas foi no final da
década de 70... para ser mais especifico, o ano era 1978. Feira para mim era uma
novidade, ainda não tinha conhecido uma feira tão grande e com tantas barracas,
e com aquela variedade... os cheiros e sabores... em 1981, fui morar na rua da
feira, na Enéas de Barros... ela tinha início na Avenida Amador Bueno da Veiga,
finalizava na Rua São Severo, sempre aos sábados... a feira de sábado...
barraca de pastel no início e no final... ainda lembro do cheiro, são olores e
aromas inesquecíveis... o peixeiro no início da feira tem um cheiro bom, o
problema e no fim de feira (nada apropriado), mas tem a barraca do pastel que o
cheiro e bom do início ao fim... a barraca das utilidades, comprei um Bamba nessa barraca, ele era azul e branco, eu fiquei todo bamba... a barraca de variedade, vários tipos de
queijos, doces, temperos e macarrão... o cheiro dessa é tentador... nas
barracas de frutas, legumes e verduras estão os feirantes mais barulhentos, eles
querem ganhar os clientes no grito, isso faz parte da feira, uma maneira de
abordar a clientela, são brincadeiras, cantadas e gritos (porém, em 2007, o então prefeito de São Paulo, Kassab, através de
um decreto determinou
uma série de mudanças nas feiras livres da cidade e institui uma “lei do
silêncio”, para os profissionais das barracas)... era cada pérola dita por essa turma... O tempo
passou, a feira ainda está lá com seus encantos e belezas... cheiros e
sabores... feirantes se aposentaram, partiram, uma nova geração substituiu a
geração que já tinha substituído... e assim é a feira de cada dia... uma
feira chamada saudade...