Naquele ano, eu completei dez anos. 1978. Era ano
de Copa do Mundo, e o Brasil inteiro parecia respirar futebol. Eu, menino,
colecionava figurinhas e começava a descobrir o mundo mágico da bola. Estudava
pela manhã; o grupo escolar ficava ao lado de casa. Terceiro ano primário. Saía
correndo da aula como quem foge de um mundo sério demais para a infância,
ansioso por despir o uniforme da escola — a tradicional calça caqui e a camisa
branca — e vestir meu verdadeiro traje de aventuras: o short surrado, a camisa
verde do Palmeiras — símbolo de uma paixão que não cabia no peito pequeno — e,
nos pés, o Kichute, já desbotado de tantas corridas e dribles inventados. Era
com essa vestimenta que eu me sentia eu mesmo, inteiro, menino.
Lá ia eu, de coração leve e pernas rápidas, para a
quadra do Tiro de Guerra. Aquele era meu território sagrado, onde a bola era o
centro do universo e o tempo se resumia no riso dos amigos e no som seco da
redonda batendo no muro. Ali, eu parecia imbatível. O mundo podia ser grande e
confuso, mas, naqueles momentos, eu era maior que o mundo. Era o universo
mágico de Bobby, onde bastava um gol para fazer a vida inteira valer a pena.
Toninho do Palmeiras...
À tarde, a casa se enchia de uma calma que hoje
parece coisa rara. Meu pai, sentado na poltrona, assistia ao jornal com aquele
ar sério que só os adultos carregam. Minha mãe, na cozinha, comandava os aromas
que escapavam das panelas, enchendo o ar de afeto e tempero. Eu, entre cadernos
e lápis, me esforçava para terminar os deveres da escola. Essa era minha única
preocupação, minha única responsabilidade. Nenhuma conta, nenhum boleto. Apenas
a tarefa de manter os cadernos em dia e a certeza — tão simples e tão grande —
de que eu queria crescer. Ah, como eu queria ser grande.
Emmanuelle eu conhecia apenas dos cartazes no Cine
Bagdah, misteriosos e proibidos como portais para um mundo que eu ainda não
podia atravessar. Quero ser grande... Fora isso, tudo parecia dentro da mais
perfeita normalidade: o sol se pondo devagar, bicicletas riscando a rua de
terra, o cheiro de pão recém assado vindo do armazém de alguém. A vida era
simples. E, na simplicidade, morava uma felicidade que eu ainda não sabia
nomear.
Cresci. Vieram os 20, os 30, os 40… passaram os 50.
A vontade de crescer se perdeu pelo caminho. No lugar dela, nasceu outra — a
vontade de voltar. Mas crescer é natural; voltar, não. Só se volta pela
memória, essa máquina do tempo sem engrenagens, movida a lembranças. De
Volta para o Futuro… O DeLorean só existe na ficção. No mundo real, restam-nos
as memórias — e, às vezes, elas bastam. Aqui estou eu, com mais de meio século
nos ombros (não estou envelhecendo; estou me tornando um clássico), para lhe
dizer: crescer é inevitável; voltar, não.
Meus pais envelheceram. Naquele tempo, eram mais
jovens do que eu sou hoje. Meu pai já partiu, deixando na casa um silêncio novo
e uma saudade que não envelhece. Meus filhos também cresceram. Já voaram do
ninho, já constroem seus próprios mundos. E eu, que um dia tive cabelos da cor
das asas de uma graúna, hoje carrego fios embranquecidos, mais próximos da
plumagem de uma garça branca.
O menino de Kichute e bola debaixo do braço ainda
mora aqui dentro. De vez em quando, ele me visita nos sonhos e me lembra de
coisas quase esquecidas: o cheiro da quadra de cimento quente, o som da bola
quicando, a sensação de que o mundo inteiro cabia na tarde de uma terça-feira
qualquer. A infância se foi, mas deixou um eco — suave, persistente — um
sussurro que, quando fecho os olhos, ainda posso ouvir.