1º de setembro 2025.
Meu pai partiu aos
80 anos. Ainda me restam 23 para alcançar essa marca. Curioso… 23 é também a
idade da minha filha caçula, hoje. E 23 anos… cabem num piscar de olhos, passam
voando. Quase nem vi passar. Como disse meu pai uma vez — com aquele sorriso
sereno e cansado —: “Demorou, mas
passou rápido.” Demorou. Mas passou. Hoje escrevo esta carta como quem
lança uma garrafa ao mar. Eu vou guardá-la numa cápsula do tempo — para mim
mesmo. Se tudo correr bem, se a vida permitir, abrirei em 2048, e voltarei a
estas palavras. E, se eu já não estiver aqui… que pelo menos elas fiquem.
O Fábio de
2025 manda lembranças para o Fábio de 2048.
Espero que você
esteja bem. Que tenha chegado até aqui com a mente lúcida, o coração tranquilo
e as articulações funcionando — ou, ao menos, caminhando sem muito barulho.
Porque, depois de certa idade, a gente vira um Fusca: o que importa não é o ano
de fabricação, mas o estado de conservação. Mas, se nem tudo estiver tão bem
assim, quero te lembrar de algumas coisas…
A vida muda. As
pessoas mudam. Mas espero que você não tenha se esquecido de quem é. Nem de
onde veio. Nem do que faz seu coração bater mais forte. Espero que ainda fale
com seus amigos — ou, pelo menos, pense neles de vez em quando. Sei que você
sempre guardou lembranças nas gavetas — físicas e da alma. E, se eu te conheço
bem, elas devem estar ainda mais cheias agora: coleções, recortes, bilhetes,
cheiros, silêncios. Que você tenha lido os livros das tuas estantes. Espero que
você ainda sonhe. Não com sonhos de valsa — esses esfarelam, restando só o
papel cor de maravilha —, mas com aqueles sonhos que dançaram contigo na juventude.
Talvez nem todos tenham se realizado. Mas você sonhou — e isso sempre valeu a
pena. E, quem sabe, até realizou alguns... ou muitos.
Espero que você
ainda acredite no que sempre te moveu: a esperança. Sim, aquela esperança
teimosa, que resistiu a tudo — aos medos, às perdas, às quedas. A mesma que
andava de mãos dadas com a fé e com a caridade — esse trio silencioso que te
sustentou nos dias mais duros. Espero que ainda tenha tempo para fazer algo
pelo próximo. Que ainda encontre tempo para estender a mão a alguém. Que ainda
sinta o chamado de fazer algo pelo outro, mesmo que pequeno — porque isso
sempre foi parte de quem você é.
E, acima de tudo,
espero que você ainda se comova com o céu — com o nascer do sol, com os
entardeceres silenciosos, com a noite… seja ela bordada de lua ou despida de
luz. Olhe para cima: ainda há um chão de estrelas à espera do teu olhar. Nunca faltou um cachorro em casa; acredito
que você tenha um — ou talvez mais —, pois esses anjos de quatro patas sempre
protegem nosso ser e nossa alma. Acredito que uma música boa ainda te cause
arrepios — daquelas que surgem do nada e reacendem lembranças esquecidas...
Beatles, Elvis, Bee Gees e Roberto... Porque música boa não envelhece — ela
permanece. E que o a-ha ainda te desperte todas as manhãs, com aquela
batida que mistura juventude e eternidade. Que te lembre de quem você foi… e,
sobretudo, de quem você ainda é.
E, se o brilho do
seu olhar estiver opaco… talvez seja só catarata. Opere. Vai melhorar.
Mas, se for tristeza… escave. A luz ainda está aí dentro. Espero que, apesar de
tudo, você ainda seja você. Ou, se tiver mudado, que tenha sido para melhor.
Porque, no fim, é para isso que estamos aqui: para crescer, para evoluir, para
aprender a amar melhor. E, mesmo que o caminho tenha mudado ao longo dos anos,
que você nunca tenha perdido o rumo. Com carinho, Você. Hoje.