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terça-feira, 8 de outubro de 2013

Muito além do horizonte da terra vermelha do sertão


Fábio Trancolin


Cosete, Junior, Gilberto, Wander, Sérgio e Susie 02.09.1970

A memória nos tempos de infância de uma fazenda guardada no baú da recordação. Ela ficava muitas léguas cerrado adentro... Muito além do horizonte da terra vermelha do sertão. A fazenda ficava lá “pras bandas” do Caiapó, vinte e duas léguas... Põe chão nisso... Ficávamos felizes quando diziam, vamos “pro Tio Claro” (Clarismundo Abreu, nós não tínhamos parentesco consanguíneo, mas é como se tivéssemos, pessoa de uma simpatia e carisma...)... Nesse tempo, as seriemas, tatus, veados e outros animais silvestres corriam na frente do caminhão que abria espaço na poeira do estradão... Nesse momento, o meu pensamento vai onde a vista não alcança, o pensamento voa... E lembrando a canção que diz, “vem andar e voa, vem andar e voa... “ Eu voo na carroceria de caminhão... 

Tio Gilberto, Hélia e Tio Claro 02.09.1970

Geralmente, a partida acontecia na sexta-feira ou na quinta-feira, o pessoal daquela época não tinha tanto compromisso empregatício, e abandonava as oficinas, marcenarias... E juntava as ‘tralhas’ e partia rumo ao “vilarejo” do Montividiu (naquela época ele era uma “currutela” com alguns botecos)... Passava pela chácara do Pauzanes e, no final dela, ficava a curva do “segredão”...  De um lado e do outro só cupinzeiro, que iam até o “capão da mandioca” esse nome nunca saiu da minha memória. O cerrado virgem e intocável, as árvores retorcidas, naqueles tempos eram ensinadas nas escolas, que ele era o “patinho feio”... Bonitas eram “as primas” Amazônia e a Mata Atlântica, ele servia só pra lenha e virar carvão... (eles não sabiam das tuas riquezas!).  As dificuldades para ir não importavam, o importante era ir... E era tanta gente que parecia festa na roça (e era)... Fui de caminhão, Rural, Jipe e até de fusquinha (Branco 66) que o pai teve, também onde é que o fusca não ia? E lá íamos nós pro meio do sertão... “Que vida boa, sapo caiu na lagoa, sou eu no caminho do meu sertão...”.


Dairon, Jairon e Rui - 02.09.1970

A casa sempre cheia, fogão à lenha não se apagava, “café no rabo do fogão”, leite no curral... Rego d’água que terminava num monjolo... Lá no fundo tinha o mangueiro, quintal farto... Bem ao fundo passava o Rio Montividiu, de água extremamente gelada... Toda noite tinha festa na vitrolinha à pilha... As mães e suas crias (como tinha criança naquela época!), na hora do almoço era uma folia...  O Tio Claro tudo pra ele era festa, ninguém sabia ao certo da data de nascimento dele, ele dizia que era dia 1º de janeiro (acredito que era pela festa de fim de ano que ele escolheu essa data, ele adorava festa). A Tia Rita não parava nos afazeres, tinha uma disposição e uma risada gostosa... Não vou citar o nome de todos, pois é muita gente, mas me lembro de cada um...

Rui, Jairon (Pai) e Tio Gilberto 02.09.1970

Rui e Gilberto 02.09.1970

Lugar longe da civilização, num lugar em que cavalos bravos corriam soltos de crinas compridas, sem arreios ou alguém que os domassem. Nesse local, os veados campeiros eram os donos do lugar, andavam em bandos (o meu Tio/Padrinho Gilberto vinha de São Paulo para caçar, ele era adepto do tiro, e um exímio atirador, naqueles tempos não tinha fiscalização e como ele abateu os campeiros... A carne era armazenada em latas com banha: catetos, capivaras e antas...), onças pintadas e pardas tinham aos montes, lobo guará e tamanduá... Natureza abundante, “lá pra aquelas bandas terra não tinha valor...” O que mais se via era os pés de pequi, as pitangas vermelhas e os cajuzinhos... A diversidade transbordava, mas naquele tempo não tinha quem defendesse o bioma, tinha muito e o muito se transformou em quase nada, na voracidade dos “correntões”... Isso tudo aconteceu na década de 70... Vieram os anos 80, o progresso chegou, o local se transformou, mas na memória ficou...  

Fábio, Marcello e Jairinho 28.05.1973 






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