Lendo
o livro de recordações que está guardado na memória, retorno mais uma vez nos
tempos da bela infância... Tanto tempo passou, anos e anos vão se acumulando na
contagem da ampulheta do tempo, a areia esvai-se... Bateu saudades do tempo da
pequena cidade, e dos meus amigos. Eu voltei ao passado, e lembrei-me de
vocês... E me vejo na quadra do Tiro de Guerra, ah! Como eu gostava do TG, lá eu
passava os meus dias, não importava se era segunda ou sexta, domingo ou
feriado... Lá estava eu com o meu kichute, camisa do Palmeiras e o calçãozinho
verde, esse era o meu uniforme... Como eu era feliz, com os meus gols gritando “Toninho do Palmeiras”... Eu morava no
casarão branco da Rua 12 de outubro, com um quintal enorme e suas
jabuticabeiras e mangueiras... “Frutas em
qualquer quintal, portas e janelas ficam sempre abertas...”.
Rua 12 de outubro - Em frente ao Tiro de Guerra - 1978 |
Um
pouco abaixo, ficava a casa do Junior, ponto de encontro da molecada, o portão
estava sempre cheio, lá reuniam todos, o Eder, Ki-suco, Mário, Batata, Peru,
Tigre, Buião, Rogério, Sergio, Paulinho Rola, Silvano (Careca), Duti, Cleomar,
Afonso Gambá, Chininha, Murilo, Cleber, Carlinhos Queijinho e o Jairinho...
Eram tantos, desculpe por não ter citados todos, mas com certeza estão
guardados na memória da emoção. A cadeia velha (Hoje o Palácio da Intendência),
palco de tantas brincadeiras, os morcegos que ao cair da tarde abandonavam os
seus esconderijos e saiam em revoadas, sempre tinha alguém para derrubá-los com
as camisas ao vento, eles saíam e os pardais voltavam em barulhenta
algazarra... O tempo urge, mas nesse caso ele “ruge”, ele te chama para ver que
o tempo voa... Vem andar e voa... Vem andar e voa...
As
mudanças vêm, sempre vieram... Mas, naquele tempo, elas demoravam a chegar, ou
não percebíamos... Sonho semeando o mundo real. E
hoje na “descartabilidade” de tudo,
até o ser humano é descartável... E é bom de vez em quando parar e analisarmos
essas mudanças... Gosto de recordar... Da janela da cadeia velha vejo, ao fundo,
o cerrado, vê o horizonte deitar o chão... Da
janela o horizonte... A liberdade de uma estrada eu posso ver... O meu
pensamento voa livre em sonhos... Aos poucos as mudanças começaram com
algumas casas em frente ao campestre e se transformaram no Solar Campestre e,
de repente, tantos bairros novos... E o Solar invadiu o nosso espaço (não foi
com os raios de sol, foi com pedra e concreto), as desbarrancadas e seus
mistérios na madrugada. O jatobá, o velho jatobá acabou não existe mais, no
tempo das brincadeiras de ‘polícia e ladrão’ ele era o QG.
Cadeia Velha |
Descendo
um pouco mais, tinha a quadra dos bancários, o Seu Dulcindo e a sua família
tomavam conta do clube, os filhos com seus nomes diferentes para época, Frankcione,
Dulcinéi e Ericsson, a filha, o nome era mais fácil, Eliana... E falando em
Clube dos Bancários, lembro-me de um fato, os meninos fizeram um buraco na
lateral dos vestiários, esse furo foi feito com um cabo de vassoura, só que
esse plano foi por água abaixo, sacanagem, alguém viu e, na minha vez, eu não
consegui ver nada, alguém me viu, gritou (tem alguém olhando)... Ouviu-se um
grito, pega! Só viu moleque
correndo... Só via pé de mamona quebrando...
Outro
caso que vem na memória foi o desacato ao Sargento Barbosa, na frente da tropa
eu o mandei ir pra aquele lugar... Foi de momento, coisa de menino, só que eu
tive que correr, e correr muito, se ele me pegasse, eu estava perdido, sorte
que ele não me alcançou... Também, eu e o Mário (filho do sargento) brigávamos
duas vezes por dia e, naquele dia, ele mandou o filho me acertar uma pedrada,
pois nos tapa, ele tinha levado uns tabefes, ele atendeu ao pedido do pai, e eu
desembestei a distribuir palavrões... Como nós brigávamos... É bacalhau...! Mas no fundo nos
adorávamos, o velho parceiro de bola... Depois eu fui até a casa dele e pedi
desculpas...
O Júnior
era o bom companheiro, na infância, na adolescência, sempre estivemos juntos, o
meu velho e bom amigo... O meu grande amigo... Ele tinha uma bicicleta amarela
que não tinha garupa, eu andava no guidom e imitava uma sirene (já imaginou a
cena?). Sempre íamos para a Praça Mariano para aprontar, como aprontávamos.
Lembro de uma vez, nós estávamos lá e alguém teve uma ideia... Vinha um cara
subindo a rua e estava sozinho... O plano era o seguinte, eu deveria ficar
sozinho e “xingar” o cidadão, enquanto os outros ficariam escondidos... Assim
foi feito, ‘xinguei’ o individuo, ele me viu sozinho pequeno e magrinho, e veio
todo nervoso e alterado, porém quando ele chegou perto, todos saíram de seus
esconderijos, perguntando se ele iria bater no menino, a cena foi hilária... E
eu parecendo um pombo com o peito estufado.
Clube Campestre 1977 - Acervo Jadir Carvalho |
Na
sexta-feira, tinha seresta no clube campestre, e lá estávamos nós na ponte do
córrego do sapo, com as nossas bombinhas e rojões, para azucrinar quem por lá
passava em direção ao clube... A molecada não tinha ideia... Era bomba pra tudo
que era lado... Também, tinham os nossos amigos da vila do matadouro, gente boa
aquela... Atravessávamos a pinguela do córrego do sapo e chegávamos nas
represas... Passávamos pelo córrego galinha, naquela época não existia a
rodoviária, tudo aquilo era pasto e nosso espaço, não havia a Morada do sol, a
Presidente Vargas terminava na curva para o cemitério, as gabirobas e os
araticuns... O sonho de matar um anum preto (coisa de moleque...). As alfaces
do Takecho, ele era um japonês que cultivava uma grande horta, e a molecada saía
vendendo alface em grandes bacias... O tempo passou, passou, mas não dá para
esquecer... Que saudades daqueles tempos... Nós não tínhamos dinheiro, mas para
que dinheiro o que nós tínhamos dinheiro não comprava...