Fábio
Trancolin
Quase na hora de ir para
escola, a mãe já chamou pra tomar banho. O pai ainda não chegou para o almoço,
geralmente ele que nos leva para aula, mas, às vezes, vamos sozinhos, eu e o
Jairinho. O perigo em ir sozinho é de encontrar o “João Barbudo” o “Pedro Biriba”
e quem sabe o “Catacavacos” e, também,
tem que ter cuidado em atravessar a Presidente Vargas. Moro na Afonso Ferreira,
no quintal tem três casas, uma é da Dona Dulina a “senhoria”, as casas são
dela, no meio do quintal tem um pé de jabuticaba. Na outra mora a Cleuza e o
João “Bafú” ele toca na banda, eles são os “Compadres” (meus pais são os
padrinhos da filha mais velha deles, a Yasmine) e tem, também, a Yasmeire. A
Dona Dulina tem dois netos o Hélio Antônio e a Eliamar; Os vizinhos do outro
lado da rua, o Eurípedes o dono do armazém da esquina, ele cria passarinhos,
tem a Dona Ana, a Santa e o Seu Joaquim e do lado direito tem o Sebastião “Batume”, ele tem uma loja de calçados na
Presidente Vargas “Calçados Freitas”. O Afonso e a Tereza moram do lado
esquerdo, com os filhos, a Márcia, o Gilbertinho e o Neném (pra falar a verdade
nunca soube o nome dele).
Sapataria Silva - Rua Augusta Bastos esquina Afonso Ferreira |
Está na hora de ir para a
escola, às vezes, o Paulinho e a irmã dele passam na porta e nós vamos juntos,
estudamos no Percival Xavier Rebelo (na parte da manhã e a noite é o Colégio
Martins Borges, a tarde é o primário). Na esquina do lado direito, tem a Sapataria Silva, o pai compra os nossos
sapatos lá, certa vezes ganhei um sapato salto carrapeta, era bonito. Na
esquina do lado esquerdo, funciona a Bilharbol
do Zé Roberto. Chegamos à Presidente, não encontramos com nenhum ‘maluco’, de
um lado tem a Loja Flor do Líbano do
Seu Atef e da Dona Fátima, na porta, ficam os mostruários de malas e tecidos,
do outro lado está à loja do Senhor Abrão a Casa
São Jorge. São várias lojas na presidente, da Rua Afonso Ferreira até a Rua
Avelino Faria ficam as lojas dos ‘Turcos’ (Libaneses e Palestinos) eles
movimentam o comércio da avenida e fizeram histórias... Do outro lado da
avenida, o Adejair tem o ponto de táxi São
Jorge, ele tem um opala roxo, o ponto é em frente a sorveteria do Senhor Aildo
e, ali, também, o Seu Manoel e a Dona Maria das Graças, os pais do Francisco
Canindé, têm a banca onde se encontra de tudo. Descendo, paramos para ver a Gigante do Lar, o proprietário é o Raméz
Abdallah, ali tem uma guitarra branca e vermelha (o pai disse se eu passar de
ano ele vai comprar). Do lado, está a Pensão
da Feliciana, ali atravessamos a avenida, nesse ponto a nossa cachorrinha
Gigi foi atropelada, morreu ali, um Fusca passou por cima, nesse dia, ficamos
desolados que não fomos para aula. Na esquina da Rua Professor Joaquim Pedro,
tem a Padaria do Tucho, o cheiro é
convidativo, as melhores roscas da cidade e o pudim mais gostoso que saboreei
são feitos ali. Do outro lado, a loja de embalagens Dalles.
Descemos e chegamos na
Praça da Matriz, às vezes passamos pelo meio da praça. Mas, gostamos de ir reto na Rua Costa Gomes e
passar na Casa das louças, as
bicicletas ficam exposta na porta, ‘Calois
e Monarks’, o cheiro de brinquedo novo é convidativo. Geralmente, damos uma
voltinha pela loja só pra ver as novidades, e pegar nos carrinhos, comprei
muitas bolinhas de gude ali. Ao lado da Casa
das louças mora o Seu João Altino, sempre sentado na porta e comendo alguma
coisa, ele adora comer. Do outro lado da rua mora o prefeito Iron Jaime do
Nascimento, ao lado, mora a irmã dele a Rita, mãe do meu amigo Neudes, ela é
doceira de ‘mão cheia’, ela quem fez o meu bolo de aniversário de cinco anos,
ele faz cada doce... Em frente da casa dela, tem a barbearia, do Seu Sebastião,
o pai traz a gente ali pra cortar o cabelo, ele passa máquina e fica igual a um
soldado reco, não gosto, mas esse é o corte. No mesmo lado da barbearia, tem
uma casa, ali mora o Pascoal e, na porta da casa dele, tem uma placa “bate
trutru”, não sei o que isso. Na esquina, fica o Mercado Velho, adoro passar
ali, na parte de dentro tem o Lourival do queijo, o Chico da verdura, tem a
banca da Lucimar, o armazém do Joaquim Cândido e a pastelaria do Brito, e o
açougue do Antero. Na parte de fora do mercado na Rua Coronel Vaiano, tem o bar
o Osvaldo, o Armazém do João Quito. Em frente, o açougue do Didi. À tarde,
quando voltamos, passamos por dentro do mercado ao lado onde ficam os frangos.
Chegamos à escola, na porta sempre encontramos com o João (ele diz que é
biônico que caiu de um avião e tem os braços de aço e uma parte da cabeça
também, ele disse que encontrou com a “Loira do banheiro”, mesmo sendo biônico
ele correu dela). Passamos pelo arco que tem na porta, gosto dali, tenho vários
amigos, o Renato, Augusto, os irmãos Roberto e Washington, Alencar, Webinho,
Hiltones, e o Francisco Canindé, têm as meninas Najáh, Samira, Lucibele,
Ariadna, Mara e a Margarete, e tem a Carla, às vezes, nos voltamos juntos, ela
mora perto de casa, sabe ela é diferente, gosto dela...
A vice-diretora Marta e o
sininho a badalar, cara de poucos amigos na organização das filas. Sol quente,
mas ninguém entra antes de rezar, e cantar o Hino Nacional, às vezes, tem que
cantar, ‘Eu te amo, meu Brasil’ “Eu te amo meu
Brasil, eu te amo. Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil. Eu te amo
meu Brasil, eu te amo. Ninguém segura a
juventude do Brasil”. Primeiro,
os alunos da professora Odete, depois os da professora Tânia (faço parte
desses), em seguida os da Dona Maria Aparecida, e logo depois os alunos da
‘temida’ professora Ordália, finalizado com os da Dona Geusa. Na sala que
estudo, eu não consigo ver o pátio de terrão e ao fundo a marcenaria do
ginásio, onde o pai trabalha. O terror da molecada é ficar de castigo na
diretoria, ter que copiar a história da vaquinha malhada (eu já fiz). Hora do
recreio, o sininho bate, e convida a turma a sair feito ‘loucos’ a correr em
busca da quadra. Picolezeiro nos espera na porta, coco queimado, e o creme
holandês, mas também, tem o “juju de groselha” e tamarindo. Tem uma
cantina, tem coisas gostosas, porém o dinheiro é curto, quando muito um picolé.
No campo de futebol ou na quadra, não tem bola, não importa, jogamos com uma
garrafa de plástico.
Presidente Vargas - Anos dourados |
No final
da tarde, o cheiro gostoso do Café Rio
Verde sendo torrado invade a sala de aula. O cheiro de álcool do mimeógrafo
rodando as provas, também, chega até nós. O sino tocou, a aula acabou todos em
debandada feitos ‘pomba do bando’, passamos pelas escadas do fundo e vamos em
direção ao ginásio, na marcenaria, cheiro de verniz é uma delícia, cresci nesse
mundo de serragem, e na arte de trabalhar a madeira, meu pai tem a profissão do
pai do Mestre. E outros, também, fazem dessa arte o ganha pão, o Waldomiro,
Messias (Pretinho), Jefferson (Jefão), Afonso e o Nelinho. No final de tarde, é
a hora das mulheres e as crianças encherem as latas e pegar serragem que serve
para fazer fogareiro para ferver a água para lavar roupa (a maioria delas é
lavadeira) e, também, para cozinhar feijão. Ao lado o Bebé da aula de judô, tem
o tatame que é pura diversão. Ali na marcenaria tem um cômodo que mora o
Epaminondas da Silva, mais conhecido com “Negrinho da Joventina”, ele trabalha
no posto do Tércio, ele é lavador de carros, mas no passado foi um grande
goleiro, jogou no Goiás e foi sondado para jogar no Corinthians Paulista,
atendendo um pedido da mãe não foi para São Paulo.
Os
calangos verdes correm em disparadas, as tanajuras saem de suas tocas, o
Waldomiro e o Pretinho as saboreiam como tira gosto tomando aguardente no Bar
do Seu Chico (dizem eles que elas têm o gosto de amendoim torrado). O final de
tarde veio, pintou o céu que há pouco era azul anil e agora se mistura no
vermelho da poeira e o alaranjado do entardecer... E nós vamos embora, está na
hora de voltar pra casa, a mãe nos espera, sempre tem algo bom pra comer.