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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Vem, vamos para a escola


Fábio Trancolin


Quase na hora de ir para escola, a mãe já chamou pra tomar banho. O pai ainda não chegou para o almoço, geralmente ele que nos leva para aula, mas, às vezes, vamos sozinhos, eu e o Jairinho. O perigo em ir sozinho é de encontrar o “João Barbudo” o “Pedro Biriba” e quem sabe o “Catacavacos” e, também, tem que ter cuidado em atravessar a Presidente Vargas. Moro na Afonso Ferreira, no quintal tem três casas, uma é da Dona Dulina a “senhoria”, as casas são dela, no meio do quintal tem um pé de jabuticaba. Na outra mora a Cleuza e o João “Bafú” ele toca na banda, eles são os “Compadres” (meus pais são os padrinhos da filha mais velha deles, a Yasmine) e tem, também, a Yasmeire. A Dona Dulina tem dois netos o Hélio Antônio e a Eliamar; Os vizinhos do outro lado da rua, o Eurípedes o dono do armazém da esquina, ele cria passarinhos, tem a Dona Ana, a Santa e o Seu Joaquim e do lado direito tem o Sebastião “Batume”, ele tem uma loja de calçados na Presidente Vargas “Calçados Freitas”. O Afonso e a Tereza moram do lado esquerdo, com os filhos, a Márcia, o Gilbertinho e o Neném (pra falar a verdade nunca soube o nome dele). 

Sapataria Silva - Rua Augusta Bastos esquina Afonso Ferreira 

Está na hora de ir para a escola, às vezes, o Paulinho e a irmã dele passam na porta e nós vamos juntos, estudamos no Percival Xavier Rebelo (na parte da manhã e a noite é o Colégio Martins Borges, a tarde é o primário). Na esquina do lado direito, tem a Sapataria Silva, o pai compra os nossos sapatos lá, certa vezes ganhei um sapato salto carrapeta, era bonito. Na esquina do lado esquerdo, funciona a Bilharbol do Zé Roberto. Chegamos à Presidente, não encontramos com nenhum ‘maluco’, de um lado tem a Loja Flor do Líbano do Seu Atef e da Dona Fátima, na porta, ficam os mostruários de malas e tecidos, do outro lado está à loja do Senhor Abrão a Casa São Jorge. São várias lojas na presidente, da Rua Afonso Ferreira até a Rua Avelino Faria ficam as lojas dos ‘Turcos’ (Libaneses e Palestinos) eles movimentam o comércio da avenida e fizeram histórias... Do outro lado da avenida, o Adejair tem o ponto de táxi São Jorge, ele tem um opala roxo, o ponto é em frente a sorveteria do Senhor Aildo e, ali, também, o Seu Manoel e a Dona Maria das Graças, os pais do Francisco Canindé, têm a banca onde se encontra de tudo. Descendo, paramos para ver a Gigante do Lar, o proprietário é o Raméz Abdallah, ali tem uma guitarra branca e vermelha (o pai disse se eu passar de ano ele vai comprar). Do lado, está a Pensão da Feliciana, ali atravessamos a avenida, nesse ponto a nossa cachorrinha Gigi foi atropelada, morreu ali, um Fusca passou por cima, nesse dia, ficamos desolados que não fomos para aula. Na esquina da Rua Professor Joaquim Pedro, tem a Padaria do Tucho, o cheiro é convidativo, as melhores roscas da cidade e o pudim mais gostoso que saboreei são feitos ali. Do outro lado, a loja de embalagens Dalles.
 
Pedro Biriba
Descemos e chegamos na Praça da Matriz, às vezes passamos pelo meio da praça.  Mas, gostamos de ir reto na Rua Costa Gomes e passar na Casa das louças, as bicicletas ficam exposta na porta, ‘Calois e Monarks’, o cheiro de brinquedo novo é convidativo. Geralmente, damos uma voltinha pela loja só pra ver as novidades, e pegar nos carrinhos, comprei muitas bolinhas de gude ali. Ao lado da Casa das louças mora o Seu João Altino, sempre sentado na porta e comendo alguma coisa, ele adora comer. Do outro lado da rua mora o prefeito Iron Jaime do Nascimento, ao lado, mora a irmã dele a Rita, mãe do meu amigo Neudes, ela é doceira de ‘mão cheia’, ela quem fez o meu bolo de aniversário de cinco anos, ele faz cada doce... Em frente da casa dela, tem a barbearia, do Seu Sebastião, o pai traz a gente ali pra cortar o cabelo, ele passa máquina e fica igual a um soldado reco, não gosto, mas esse é o corte. No mesmo lado da barbearia, tem uma casa, ali mora o Pascoal e, na porta da casa dele, tem uma placa “bate trutru”, não sei o que isso. Na esquina, fica o Mercado Velho, adoro passar ali, na parte de dentro tem o Lourival do queijo, o Chico da verdura, tem a banca da Lucimar, o armazém do Joaquim Cândido e a pastelaria do Brito, e o açougue do Antero. Na parte de fora do mercado na Rua Coronel Vaiano, tem o bar o Osvaldo, o Armazém do João Quito. Em frente, o açougue do Didi. À tarde, quando voltamos, passamos por dentro do mercado ao lado onde ficam os frangos. Chegamos à escola, na porta sempre encontramos com o João (ele diz que é biônico que caiu de um avião e tem os braços de aço e uma parte da cabeça também, ele disse que encontrou com a “Loira do banheiro”, mesmo sendo biônico ele correu dela). Passamos pelo arco que tem na porta, gosto dali, tenho vários amigos, o Renato, Augusto, os irmãos Roberto e Washington, Alencar, Webinho, Hiltones, e o Francisco Canindé, têm as meninas Najáh, Samira, Lucibele, Ariadna, Mara e a Margarete, e tem a Carla, às vezes, nos voltamos juntos, ela mora perto de casa, sabe ela é diferente, gosto dela...


A vice-diretora Marta e o sininho a badalar, cara de poucos amigos na organização das filas. Sol quente, mas ninguém entra antes de rezar, e cantar o Hino Nacional, às vezes, tem que cantar, ‘Eu te amo, meu Brasil’ “Eu te amo meu Brasil, eu te amo. Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil. Eu te amo meu Brasil, eu te amo.  Ninguém segura a juventude do Brasil”. Primeiro, os alunos da professora Odete, depois os da professora Tânia (faço parte desses), em seguida os da Dona Maria Aparecida, e logo depois os alunos da ‘temida’ professora Ordália, finalizado com os da Dona Geusa. Na sala que estudo, eu não consigo ver o pátio de terrão e ao fundo a marcenaria do ginásio, onde o pai trabalha. O terror da molecada é ficar de castigo na diretoria, ter que copiar a história da vaquinha malhada (eu já fiz). Hora do recreio, o sininho bate, e convida a turma a sair feito ‘loucos’ a correr em busca da quadra. Picolezeiro nos espera na porta, coco queimado, e o creme holandês, mas também, tem o “juju de groselha” e tamarindo. Tem uma cantina, tem coisas gostosas, porém o dinheiro é curto, quando muito um picolé. No campo de futebol ou na quadra, não tem bola, não importa, jogamos com uma garrafa de plástico.

Presidente Vargas - Anos dourados

No final da tarde, o cheiro gostoso do Café Rio Verde sendo torrado invade a sala de aula. O cheiro de álcool do mimeógrafo rodando as provas, também, chega até nós. O sino tocou, a aula acabou todos em debandada feitos ‘pomba do bando’, passamos pelas escadas do fundo e vamos em direção ao ginásio, na marcenaria, cheiro de verniz é uma delícia, cresci nesse mundo de serragem, e na arte de trabalhar a madeira, meu pai tem a profissão do pai do Mestre. E outros, também, fazem dessa arte o ganha pão, o Waldomiro, Messias (Pretinho), Jefferson (Jefão), Afonso e o Nelinho. No final de tarde, é a hora das mulheres e as crianças encherem as latas e pegar serragem que serve para fazer fogareiro para ferver a água para lavar roupa (a maioria delas é lavadeira) e, também, para cozinhar feijão. Ao lado o Bebé da aula de judô, tem o tatame que é pura diversão. Ali na marcenaria tem um cômodo que mora o Epaminondas da Silva, mais conhecido com “Negrinho da Joventina”, ele trabalha no posto do Tércio, ele é lavador de carros, mas no passado foi um grande goleiro, jogou no Goiás e foi sondado para jogar no Corinthians Paulista, atendendo um pedido da mãe não foi para São Paulo. 

Praça Matriz
Os calangos verdes correm em disparadas, as tanajuras saem de suas tocas, o Waldomiro e o Pretinho as saboreiam como tira gosto tomando aguardente no Bar do Seu Chico (dizem eles que elas têm o gosto de amendoim torrado). O final de tarde veio, pintou o céu que há pouco era azul anil e agora se mistura no vermelho da poeira e o alaranjado do entardecer... E nós vamos embora, está na hora de voltar pra casa, a mãe nos espera, sempre tem algo bom pra comer. 





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