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segunda-feira, 24 de março de 2014

A caixa do faz de conta chegou lá em casa


Fábio Trancolin

O ano era 1974, ela chegou lá em casa. Era novidade e pura fantasia. A partir daquele momento, ela estaria na nossa sala, em frente ao sofá de napa. Era grande e foi colocada numa mesa, especialmente feita, para ela. Eu tinha cinco anos, faria seis em setembro daquele ano. Que felicidade, iríamos assistir o Vila Sésamo, eu adorava o Ênio e o Jairo, víamos também os Bananas Split (o cão Fleegle, o gorila Bingo, o leão Drooper, e o elefante Snorky), adorava o quarteto musical. Naqueles tempos, ela era um belo entretenimento nos “segurava” e “educava”.  


Lembro que o pai comprou de segunda mão, não foi na loja, ele fez um serviço e ela entrou no negócio. O pai fez um guarda roupas para o Rafael Aguirre e, era ano de copa do mundo, e adquiriu uma TV colorida (foi a primeira vez que vi uma na minha vida, como era linda), e o pai ficou com a Artel que para gente era um espetáculo. E num final de tarde, o Tio Juvenil ajudou o pai a levá-la para casa, foi um acontecimento, afinal, agora tínhamos a nossa caixa mágica. Em junho, começou a copa da Alemanha, recordo o pai colocando uma colcha laranja na janela para que o sol não atrapalhasse assistir aos jogos da seleção. Dos jogos, me recordo pouco, lembro-me da propaganda do Continental. Na copa, o Brasil decepcionou, era o campeão do mundo, porém não chegou à final.  


E aquela caixa grande ficou na sala, ela era dona do pedaço. Os desenhos Hanna-Barbera nos encantavam, Tom & Jerry, Jambo & Ruivão, Plic, Ploc & Chuvisco, Zé Colmeia, Pepe Legal, Bibo Pai & Bob Filho, Olho Vivo & Faro Fino, Os Flinstones, Manda Chuva, Os Jetsons, Jonny Quest, Os Mussarelas, Corrida Maluca e Os Impossíveis. Chegávamos da escola e íamos nos sentar de frente da tela grande, comendo bolinho de chuva. Adorávamos assistir Túnel do tempo e Terra de gigantes e a Turma do Lambe-Lambe, o programa criado pelo Daniel Azulay.


Não sei se naquele tempo televisão era perigosa para o domínio da massa (mas era), era vista como diversão, todos se reuniam para ver as novelas e os telejornais. Não havia tantas opções de canais, na minha casa, eram dois, a TV Anhanguera e TV Brasil Central (Bandeirantes), os programas humorísticos eram muito mais engraçados, Chico City e Planeta dos homens. E as novelas, essas, sim, seguravam a atenção de todos, mas, convenhamos eram muito diferente “e interessante”. Naquela época, eu adorava Os Trapalhões (adorava o Mussum e o Zacarias) nos domingos, à noite, antes do Fantástico (Olhe bem, preste atenção, nada na mão, nesta também. Nós temos mágica para fazer, assim a vida ali para ver... É Fantástico, da idade da pedra, ao homem de plástico, o show da vida...). E tem um programa que jamais esquecerei, esse marcou algumas gerações, o Sitio do pica pau amarelo. Passava pela manhã para aqueles que iam à escola, à tarde, e os alunos de tarde viam pela manhã. 


Os amigos que não tinham televisão se deliciavam na minha casa, era bom tê-los por perto. Essa aproximação do vizinho assistir TV na casa dos outros, isso era socialização. Os programas de músicas eram suportáveis e dava para ouvir... Hoje não se pode dizer o mesmo. O pai gostava de um programa que passava aos sábados à tarde, programa de auditório apresentado pelo “Coronel Hipopota (o Chacrinha goiano), morreu em 1982, em consequência de um acidente, foi atropelado por uma bicicleta.


Como dizia a amiga Rosane Reis, a televisão era um objeto ‘endeusado’, tinha toalhinha para cobrir e poucas pessoas podiam mexer. Dez anos depois da chegada da caixa do ‘faz de conta’ na minha casa, o pai comprou uma TV em cores, uma Philco Hitachi, não tinha o seletor, mudava os canais apertando os botões, chique para época. Uma televisão colorida, nossa era tudo de bom, era magia e fantasia, futebol e corrida de Fórmula um...  Mas, ela logo foi embora, tempo difíceis aqueles. Em 2014 completou 40 anos, que ela veio fazer parte da família! ‘Vendo a vida mais vivida que vem lá da televisão’. Já gostei mais dela, nesses anos ela mudou muito. Cada dia meu encanto por ela diminui, eu fui apaixonado por ela, por suas curvas (horizontais e verticais) e seus mistérios, porém esses mistérios perderam a graça, ela não me seduz mais como antes... Nos tempos em que me encantava em olhar Gabriela cravo e canela, (A pantera) Farrah Fawcett e a bela Linda Carter (Mulher Maravilha), a beleza você via e o resto era por conta do teu imaginário...


O sociólogo francês Pierre Bourdieu diz que a Televisão “esconde, mostrando e mostra o irrelevante para esconder o que interessa”. Entre outras coisas da TV, Bourdieu destaca dois tipos de debates, os “verdadeiramente falsos” e os “falsamente verdadeiros.” Resumindo, a televisão dentro do verdadeiro, tudo é falso e assim ela vai manipulando a massa, e conduzindo.  “Eh, vida de gado, povo marcado, povo feliz...”.






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