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segunda-feira, 17 de março de 2014

O raio de luz que não nos iluminou



Fábio Trancolin

                                                                                                    Foto ilustrativa
Nos bons tempos do futebol jogado em qualquer lugar, quadra, campinho, ou seja, lá onde for... Nos campeonatos de intercalasses, bairro contra bairro e, também, os times de final de semana que eram escolhidos no par ou ímpar. Na minha infância, tinha muito disso. E, num desses times, fui chamado para fazer parte, quem montou foi o Hélio Rosa e, também, fazia parte o Cairo, Eliomar, Júlio. O Hélio tinha algumas camisas do Vasco da Gama e, por esse motivo, o time foi chamado de “Vasquinho do Jardim América”. Então com esse “esquadrão” fomos participar do campeonato organizado pela “Escola Raio de Luz”. Quem organizou foi o professor Altiture, a escola era para alunos especiais, e essa prática era uma forma de terapia. Também, fizeram parte daquele campeonato o time da “Sapataria Silva” que tinha dois fora de série, os irmãos Tom e Preto, o time da AABB que era dirigido pelo treinador Pierre (ele era um amante do esporte amador), o Clube Campestre treinado pelo professor Bosco.

                                                                                                   Foto ilustrativa

O regulamento previa que até 13 anos poderia jogar na linha, quem tivesse mais, só no gol. O ano era 1982 eu iria completar quatorze em setembro, então pela lógica eu estaria iberando para jogar na linha. Porém a “Liga” não aceitou e eu teria que me contentar de jogar no gol, eu era um bom goleiro, mas queria mesmo era fazer gols, e não levar... Então, o Pierre e o Professor afirmaram que eu não tinha a idade que eu falava. O Pierre em tom de “chacota” disse: “Se você provar o que está dizendo eu te pago 5.000 mil” (Essa grana nos ajudaria a comprar um jogo de camisas que nós estávamos de olho lá na Casa Lacerda) fiquei “maluco”, pois tinha como provar que eu falava a verdade, e iria ganhar aquela grana... Corri feito um “doido” em casa para pegar o registro, e voltei todo satisfeito com ele nas mãos, quando entreguei e ele viu o ano e comprovava a minha idade, só que no meu registro tem um detalhe, eu nasci em 68, mas o pai me registrou em 70, e isso fez a diferença... Pois ele disse que o meu registro estava errado, eu poderia não ter a idade que dizia... Fiquei “puto”, disse, se o pai fosse mentir a minha idade ele teria tirado dois anos e não colocado a idade correta, mas não teve jeito, ele não pagou a aposta e não ganhamos a grana (muita sacanagem da parte dele, para ele não era nada esse valor, mas pra gente faria a diferença). Mas o que me deixou chateado, foi que no time do Campestre tinha dois que eram mais velhos do que eu, e jogaram na linha, o professor, carinhosamente, o tratava com todo esmero, pra falar a verdade “bajulava” mesmo, o “Bruninho” e o “Flavinho”, na nossa análise a diferença de tratamento era simples, os dois eram “filhinhos de papai”... Fomos vítimas de preconceito social. 
 
                                                                                                   Foto ilustrativa
O torneio começou, a maioria dos jogos era na quadra da escola, que chamávamos de “Ralo de luz”, o cimento era “cascudo” e conforme a queda o estrago era grande, tenho uma cicatriz na perna direita que ganhei lá. Mas tiveram jogos no Clube Campestre. E, também, na quadra da AABB e, outra vez ali, sentimos certo “toque” de humilhação, antes do jogo, foi-nos avisado que não seria aceito ninguém de “Kichute” na quadra, pois ela era de taco e nós iriamos arranhar o piso, “só entra se tiver de tênis, o ‘Kichutão’ aqui não”, esbravejou o Pierre. Demos um jeito e ninguém arranhou a casa do mandante. E estávamos na quadra esperando a entrada do adversário, quando sai o time do vestiário todo de azul, com uniforme que seria estreado naquele dia, todos eles de tênis Topper e Rainha, tudo novo. Nossas camisas desbotadas e algumas com remendos, jogamos e fomos massacrados pelo rival, não bastava só a humilhação social, teve a do placar elástico. Perdemos quase todos os jogos, mas do Raio de luz não, deles, nós ganhamos. E, de certa forma, vencemos todos os jogos, pois o time de camisas rasgadas foi lá e enfrentou o preconceito e os meninos da escola também, com toda a deficiência mostraram o seu valor. Espero que os garotos de camisas azuis, também, tenham aprendido alguma coisa. 



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