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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Vilarejo


Fábio Trancolin
                                                                                        Fotos: Fábio Trancolin
Às vezes no final de tarde sabe que dá vontade de ir passear ou quem sabe até morar no vilarejo. Aquele vilarejo da Marisa Monte, ‘Há um vilarejo ali, onde areja um vento bom, na varanda, quem descansa, vê o horizonte deitar no chão... ’ Sem pressa e estresse. Canarinho cantar no galho alto da goiabeira. Sentar e conversar no final de tarde e ver sol indo embora e deixando o rastro avermelhado, e poder sentir o cheiro que vem do mato invadindo as narinas, a mente e o coração.
                                                          Cidade de Goiás - Foto: Fábio Trancolin
A noite vem vindo e trás com ela a amiga lua, que ilumina, encanta e conta história. História de paixão, romance, desventura, amores esquecidos, amores compartilhados, amores lembrados. ‘Lua, ilumina a rua, toda noite, em cada fase sua, e diz a ela, não posso mais ficar assim. Lua traz ela pra mim... ’ Alguém dedilha um violão e as notas nos acordes acorda alguém... ‘Meu violão em seresta à luz de um luar, a natureza em festa, tudo parece cantar’.
                                                  Cidade de Goiás - Foto: Fábio Trancolin
A madrugada vai embora e com ela leva os mistérios e fantasmas. O cheiro da manhã da fruta orvalhada, na relva molhada... O sol vem vindo, ‘lá vem o sol, lá vem o sol, eu já sei... ’ E o ‘Astro Rei’ vem pra aquecer os telhados das pequenas casas, a casa de gente humilde, e por cima as telhas tortas e na fachada cal... Os portões escancarados frutas em qualquer quintal, ‘portas e janelas ficam sempre abertas, pra sorte entrar... ’Pois lá o tempo sempre espera... A mesa sempre farta, o café no ‘rabo do fogão’. A felicidade do balanço do ‘sorriso’ da cauda de um cão.
                                                               Pirenópolis - Foto: Fábio Trancolin
E nesses pedacinhos do céu escondidos por de trás dos montes, curvas e rios, e quanto menor o lugar a alegria e a felicidade transbordam... ‘Vai diminuindo a cidade vai aumentado a simpatia, quanto menor a casinha mais sincero o bom dia... Quanto mais simplicidade melhor o nascer do dia... ’ Aqui já foi assim, a boiada já passou por aqui, o berrante foi tocado, e a mocinha de vestido de renda saiu na janela, recebeu a flor jogada pelo boiadeiro de laço no pescoço... Quando te conheci você não era tão grande, tinha o encanto de cidade pequena e o cerrado te rodeava e te fazia cheirar bem. Já bebi água no regato que nascia lá no meio do mato, mas a sua pureza foi perdida te poluíram e aterraram o que de bom você tinha.
                                                                Pirenópolis - Foto: Fábio Trancolin
Eu te convido pra que você venha voar e se perder na imensidão e fazer parte dessa imaginação, ‘vem andar e voa, vem andar e voa... ’ Corre vem, pense e lembre-se de alguém... ‘Voa feito um sonho desvairado, desses que a gente sonha acordado... Voa no estalo do meu grito... ’ E na memória ficou arquivado, como se escrevesse no guardanapo bebendo com alguém, e depois guardado dentro do livro... Vou envelhecendo, vou lembrando, não esqueço e vou contando...  
                                                                                        Rio Verde década de 60



segunda-feira, 21 de abril de 2014

O dia que o Herói venceu pela 1ª vez




Fábio Trancolin



Era mais uma manhã de domingo, 21 de abril é um dia dedicado a um herói nacional Tiradentes. Por ser domingo não era feriado. O ano era 1985, e algumas coisas que marcaram a história daquele ano já tinham acontecido, na música Michael Jackson gravou com os artistas americanos a lendária música We Are The World, o Rock in Rio tinha sido um sucesso e encantado o mundo. Na política o colégio eleitoral em 15 de janeiro elegeu um presidente civil, Tancredo Neves era o novo presidente da República. Mas naquele momento o olhar do povo brasileiro dirigia para as portas do Hospital das Clinicas em São Paulo, ali estava internado o presidente que deveria ter tomado posse no dia 15 de março, mas não foi possível devido a um problema de saúde. 



No esporte naquele domingo de outono no hemisfério sul nos preparávamos para ver a largada da 2ª etapa de Formula 1, o Grande Prêmio de Portugal. Era o 17º GP de Ayrton Senna e a primeira vez que ele largava na pole position. Um verdadeiro dilúvio desabou no Estoril. Senna deu um verdadeiro show debaixo da chuva de ponta a ponta. Fez ‘barba, cabelo e bigode’. Largou na frente, deu a volta mais rápida e a vitória. Foi a primeira das 41 vitórias da carreira. Ali ele entrava de vez na história, com a Lotus preta e dourada cruzava a linha de chegada... A emoção era tanta que quase ele sai do cockpit com o carro em movimento...



Nascia um Herói, uma Lenda, um Mito... Ele jamais será esquecido... O inesquecível Ayrton Senna do Brasil... Vendo essas cenas e lembrando-se do cara que defendeu o país por onde passou, empunhou sua bandeira e mostrou de onde vinha. Se tiver um cidadão para ser chamado de Herói Nacional esse é ELE. A estrela que brilha na constelação de auriga iluminará para sempre a Terra do Cruzeiro. Eterno campeão, tu faz falta... Na terra da pátria de chuteira a borracha dos teus pneus marcou pra sempre o coração de um povo que aprendeu a te amar... O giro do motor não parou e não vai parar, ele ainda pulsa nas veias dos que te viram acelerando.    

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segunda-feira, 14 de abril de 2014

O Colégio do ‘Astro Rei’


Fábio Trancolin

Nas minhas aventuras e aprendizado, estudei em dois grupos escolares, e em cinco colégios, mas nenhum marcou tanto quanto o velho e bom Colégio do Sol. Ali estive entre os anos de 82 a 86, mas, mesmo antes de ser matriculado nos seus arquivos, já frequentava esse espaço que tanto marcou a minha infância e adolescência.  A quadra foi sempre um ponto adorado pelos alunos e outros apreciadores do futebol de salão, ali aglomeravam no “2 ou 10” (quem jogou sabe o que significa isso). 

                                                                                      Arquivo: Natalia Campos
O relógio do sol ainda lá esta, hoje ele fica escondido atrás de placas publicitárias, no meu tempo de menino parava ali e ficava espiando e tentado identificar as horas nos seus ponteiros solar.  Os pavilhões na cor dourada ou mais para um tom amarelado que no final de tarde ficava mais bonito no contraste com o Astro Rei. Hoje é azul, a cor antiga era mais bonita e representativa. Os pés de eucaliptos que circundavam a quadra perfumavam o final de tarde e as velhas imponentes seringueiras ainda estão de pé num abraço antigo, recordam quantos “amasso” foram dados na sua presença.  


Nos meus tempos de quadra, eu era chamado de “pé de anjo”, quantas partidas ali foram disputadas com vários e tantos bons amigos. Discussões, brigas, desentendimentos e palavrões... Algumas chegavam às vias de fatos, outras ficavam no deixa disso. Eu participei das duas. Numa tarde estávamos jogando na quadra e vendo um avião que fazia umas manobras arriscadas... E de lá vimos quando a fumaça subiu na Vila Carolina, o avião caiu, fomos lá ver os destroços, a imagem nunca esqueci. 

Quadrilha do Colégio do Sol - Arquivo Aloisio Nakayama 
Todos os dias no fim de tarde, tinha educação física comandada pelo professor Gerson, os portões eram abertos, não tinha como restringir a entrada, e nas tardes de segunda, quarta e sexta os meninos de calção verde e a camisa com o sol no peito praticavam as atividades, e nas terças, quintas e sábados era a vez das adoráveis meninas com os shortinhos cor de rosa se alongarem para delírios dos alunos que insistiam em ficar dependurados no murinho que circundava a quadra. Foram muitas beldades que por ali passaram. Mas, vale enaltecer e ressaltar duas encantadoras colegiais, as irmãs Synara e Mara Rúbia, o tempo passou, tenho as duas como amigas e a beleza das loiras como o bom vinho só fez melhorar. 

Arquivo - Aloisio Nakayama

Em 82, no período vespertino, comecei a fazer parte da chamada nos diários dos professores. Fazia a 5ª série, já era veterano, iniciava ali a minha terceira tentativa em sair do primeiro ano do ginásio, não era incapacidade de aprendizado, já relatei o fato numa outra crônica. Vinha de uma passagem pela capital paulista e voltava com visual diferente e a moda da cidade grande. Eu fui o primeiro a usar a manga da camisa da escola dobrada, inventava moda, usava camisa havaiana e pulseiras. Não gostava do período da tarde, mas fazer o quê, não tinha que gostar, tinha que estudar. Quando voltei de Sampa, as aulas já tinham começado, mas logo me ambientei. Nelsão, Márcio, Welson e o Ronaldo (ele era deficiente, era um cara totalmente maluco, ele fazia manobras na cadeira de rodas e outras peraltices inimagináveis para quem não tinha acessibilidade em determinados locais, gostava pra caramba dele!) esses eram os meus parceiros. As meninas Adriana, Simone e a Cibele que eram o trio inseparável, Martinha, Fabíola, e a Gardênia. Das professoras, recordo de várias, mas tinha um carinho especial e, até hoje tenho pela professora Ivone (Português), Sílzia (História) Irene (Educação Moral e Cívica)... Com a Evani (Matemática) logo de cara desentendimento que me custou caro no final do ano, (0,5 fizeram falta). Nos intervalos, a molecada ia para a quadra, a moda era um joguinho de bolinha de gude, o objetivo era colocá-la nos buracos de escoamento da água, craque nessa prática era o João Barcelos e, também, tinha a beleza da Gina Gleides que encantava a todos, ela fazia a 6ª série.


Um fato que marcou aquele ano foi a revolta dos alunos que estudavam à noite, foi a destruição de uma parte do colégio. Tudo começou com a cobrança por parte da direção, durante todo o ano foi cobrado, uma taxa dos alunos, eles diziam que era uma colaboração, na turma do matutino e vespertino não houve oposição e a taxa foi paga, porém a turma do noturno não teve essa adesão, quando chegou o período de exame final, aqueles que não pagaram, foram impedidos de entrar. A massa aglomerada no portão da Rua Luiz de Bastos, discursos e revolta, os que iam saindo depois de fazer a prova, também, aderiram ao movimento, os revoltosos começaram, “vamos quebrar” e, assim, deu início a queda do muro que circundava o quarteirão, não ficou pedra sobre pedra. O “distúrbio” instalado, a “massa” descontrolada, alguns partiram em busca do carro da diretora que nessa época morava em um dos pavilhões do colégio. Não a encontraram, e a ira foi descontada nos livros da biblioteca, nos instrumentos musicais da fanfarra que foram literalmente destruídos, e nos materiais esportivos que foram roubados. Vidros estilhaçados, portas quebradas, o caos instalado. No ano seguinte, pais e mestres e, também, os alunos se uniram e reconstruíram o colégio, o muro deu lugar a uma cerca, o professor Gerson solicitou, e na quadra um muro foi erguido e com portão fechado só entrava quem era convidado. A cor desde então ficou o azul, a primeira pintura foi feita pelos alunos. 


Em 1983, eu dava início a mais uma tentativa, a quarta para sair da 5ª série, dessa vez, no período noturno, eram os maravilhosos tempos de porta de colégio, namoricos, lembro com carinho da Jane e da Janeth, Maria Isabel... O período dos bons amigos, a lista é grande e para não cometer injustiça com alguns, melhor nem citar. “Menina veneno, e erva venosa” tocava com frequência nos toca-fitas dos carros no portão, nós estávamos a dois passos do paraíso. A época das festas juninas que eram disputadas entre os colégios para ver quem fazia a melhor. Nesse ano, fui treinar basquete, horário pra lá de estranho, nossa educação física era às seis da manhã, e nós chegávamos antes das cinco para jogar o esporte da bola laranja. A aula era com o professor Valdivino, e a turma que era composta pelos irmãos Batista, César, Gilberto e Alberto, também, tinham o Gilmar, “Gasoso” e o “Baiano”, e o meu irmão Jairinho, e ali antes que o sol aparecesse jogávamos. Os refletores eram ligados pelo Alberto que entrava pelo vidro e, assim, acendia a luz. Nenhum desses foi convocado para os jogos abertos daquele ano. O Gerson preferiu levar os da turma dele. No ano seguinte, o meu irmão defendeu a equipe do uniforme “verde bandeira”, e, por algum tempo, foi o dono da camisa nº 4, eu fui convocado, mas por pirraça por não ter sido chamado no ano anterior, não fui. Em 85, várias partidas eu disputei, muitos foram os embates com a turma do Gigantão, mas, nesse ano, eu fui cortado, em 86, eu machuquei e nunca mais joguei esse esporte que tanto adorava, parece piada, mas fui um bom jogador de basquete mesmo tendo 1,67 cm. 


Em 84, iniciava a 6ª série, e nessa passei direto, me dediquei, não que nesse ano eu não tenha aprontado, eu me esforcei, mas fiz das minhas. O Jairinho iniciava na criatividade na arte da madeira e era um bom marceneiro, hoje é um dos melhores que conheço, ele fazia miniaturas de camas para bonecas, eu presenteava as meninas, muitas foram as que ganharam esse presente, sem contar as “fofoletes” que eu dava para as meninas. Ano das inconsequências e imprudências nas garupas das mobyletes, junto ao Aroldo, Claudenir e Eduardão. (No dia em que o Eduardo quebrou a perna em vários lugares, eu não estava na garupa dele, longa recuperação do meu bom amigo...).

Quando veio 85, a rebeldia tomou conta, ano que eu aprontei, era líder de classe, revoltado contra o sistema, foi o ano dos atritos. Não deu outra, aquela sétima série foi para o vinagre, reprovei em educação física, dá para acreditar nisso? É isso aconteceu comigo. Naquela 7ª série, tinha uma turma legal, uma galera criativa, Roberto e seus argumentos que tiravam os professores do sério, os artistas da sala o Jairinho e o Johnson com as suas caricaturas que faziam sucesso. Giovane e Ângela, Ana Lucia era a gata da sala. Dadá e o Nelson, o professor Osmar e Agrest sempre parceiros da galera. Nesse ano, foi quando fomos para a Lagoa Santa em excursão com a turma. Fato ruim aconteceu naquele ano, quando o nosso colega de classe, o Waldemar que carinhosamente chamávamos de “Zebrinha”, foi assassinado no Country Club quando comemorava o aniversário de 17 anos. 


Nesse ano, eu namorava a Tatiana a ‘gauchinha’ de olhos azuis que não foi fácil de conquistar, quantas idas ao portão e só um Bye, então tchau... Até que um dia fui pedir autorização para os pais dela para que pudesse namorar a guria, aceito fui e por lá passei uns tempos tomando chimarrão. Nessa época, aconteceu uma fofoca que quase fez estrago. Um dos integrantes da turma do “Guá” (turma barra pesada da época) se engraçou com a gauchinha, e alguém disse que eu iria acertar as contas com ele. Uma noite ao chegar no colégio, eu entrei pelo portão da Rua Geraldo Jaime, alguns amigos vieram me avisar que eles estavam a minha espera no portão principal e a briga seria feia, o Aloisio armado de “Nunchaku” o Evandro armado com uma garrucha, e outros, também, vieram dar apoio. Entraram dois integrantes da turma, para ver quem era o desafeto que iria apanhar, um desses era o Hamilton, velho e bom amigo, quando soube que era eu o alvo da turma, no mesmo momento disse, não tem briga, e quero ver quem é que vai encostar a mão no Fabinho, esse é parceiro e meu amigo. Não teve briga, dei foi sorte, pois o “trem” iria ficar feio pro nosso lado...  A paz reinou e virou piada...

Quando começou o ano de 86, imaginei que dessa vez eu iria mudar, e fazer as coisas de forma diferente, iria me dedicar mais, era o ano que eu completaria 18 anos, mudei nada... Foi o ano em que o Marcello (irmão caçula) também foi estudar no período noturno, lembro que na secretaria houve comentário, “nossa, mais um ‘Trancolin’, esse parece ser um bom aluno, tomara que não seja igual aos outros, se não vai se perder igualzinho aos outros dois...“. E não é que se perdeu... Eu e o Evandro aprontamos muito naquele ano, ele tinha um Escort/85 que apelidamos de “Stalonne”, e quantas farras foram feitas e imprudência cometidas... Nesse ano, eu fui trabalhar em campanha política, degringolou tudo, muitas viagens, e mesmo namorando com a Luzia eu não entrei na linha. Teve o problema da pneumonia em decorrência das noitadas da campanha, e eu fiz uma besteira, abandonei o colégio, a professora Nilma, me pediu tanto para não fazer isso, a Luziinha, também, pediu muito, eu não as escutei e abandonei, ou seja, me ferrei. Eleição perdida e o ano também... 


Assim terminava o período escolar no colégio do “Astro Rei”. Mas sempre que passo na porta parece que ouço a galera do esporte batendo bola na quadra, muitos foram os amigos que ali conquistei. Rafton, Primo, Marques, Cairo “perereca”, Jesuíno, Cleuber, Lazinho, Eduardo, Nevilton e tantos outros... A turma da farra, Celestino, Manoel e Selmo, Roberto, Nilton César e Zé Rodrigues, Cesinha, e o Jesus (Jesus transformou guaraná em pinga)... Sem piada, mas até Jesus fazia farra. A fundo, ouço o Aloisio Nakayama fazendo um solo no tarol... O sol se põe, colégio permanece e as histórias acontecem...



Aloisio Nakayama



quinta-feira, 10 de abril de 2014

A oração da maçaneta





segunda-feira, 7 de abril de 2014

As bicicletas da infância


Fábio Trancolin

Quem nunca levou um tombo de bicicleta é porque nunca andou em uma. Eu aprendi a andar numa bicicleta Caloi azul no pátio do Colégio Martins Borges, o pai comprou uma usada, era uma pequena que ele nos deu, “pra mim” e o Jairinho. Antes, nós pegávamos a bicicleta do Waldomiro, e saímos empurrando, primeiro porque era grande, então só empurrávamos, ele comentava, “que graça tem ficar empurrando?”... Menino sabe a graça que tem... Essa “magrelinha” chegou lá em casa, não tinha mais para-lamas, ela já estava bem “esfoladinha”, mas era uma bicicleta. Nós pegámos e levamos para a marcenaria, e o nosso amigo Eraldo que me ensinou a equilibrar e andar. Não tive rodinhas de apoio, não tive essa fase. Fui naquela “empurra e vai, cai e levanta”. E foram alguns tombos. Mas, depois que pega o jeito tudo se torna mais fácil. 


A “pequena” ficou com a gente um tempo, depois veio outra azul, só que um pouco maior. O guidom dela, o antigo dono cortou e assemelhava-se com um chifre. Levei alguns tombos nessa, foram várias as escoriações que ela deixou. Quando eu morava na Praça Ricardo Campos, na casa atrás do Palácio da Intendência, que naquela época era apenas a cadeia velha, a mãe pediu que eu fosse ao Bar do Ivan, (O Ivan Simplício era soldado da Policia Militar e, em frente à delegacia, ele tinha um bar com a esposa, a Rosa) comprar rosca para o café da tarde, era do lado, uns 50 metros, mas eu fui de ‘bike’, deixei deitada na calçada enquanto comprava, quando saí, deparei com a roda da frente toda torta, um carro passou por cima do aro e entortou tudo, voltei carregando a “magrela” e a rosca, quase chorando, pois não acreditava no que tinha acontecido. Ela ficou um bom tempo encostada, até que um dia o Jairinho resolveu desmontá-la com um amigo para pintar, desmontou, nunca mais consertou e foi vendida assim, aos pedaços. 


Nunca tive uma bicicleta nova, talvez essa seja uma frustração da infância. Lembra-se da propaganda? “Não esqueça a minha Caloi”, A minha foi esquecida... Não que me incomodasse ou importasse, mas naquela época bicicleta era o presente. Queria fazer uma criança feliz desse-lhe uma bicicleta no natal, dias das crianças ou aniversário. Esse era o presente. Passava na porta das Casas das Louças, Gigante do Lar, lá estavam elas nos mostruários a nos despertar os sonhos de brinquedos... Lembro que em um aniversário, o Sargento Barbosa comprou uma azul para o Mário e uma vermelha para Adriana, eles faziam aniversário bem próximo e a festa era junta. A molecada ficou encantada com as duas em exposição no quarto... Não era inveja, era deslumbre e encantamento. Sonhei muito em ter uma BMX, era o máximo a “bike” estilo moto amarela e preta... Em 81, o Tio Claudio deu uma para o Ricardo, era linda, andei muito nela, quando morei em Sampa...


O Murilo tinha uma Monareta cor de cenoura, às vezes, eu pegava e andava nela, em um dos passeios, eu vinha pela Rua Presidente Kennedy (Rua do Tiro de Guerra), em alta velocidade, moleque não anda devagar, quando vi um saco de aniagem no meio da rua, ali em frente onde hoje é o churrasquinho do Reginaldo que, naquela época, era casa do Giuliano (E das belas irmãs a Giovana e Giane)... Deu para imaginar o que aconteceu, passei por cima, bicicleta para um lado e eu para o outro, colocaram uma pedra debaixo do saco, esfolei... E danifiquei a bicicleta do amigo, fiz alguns reparos e devolvi. Depois, ele disse que a bicicleta estava um tanto quanto estranha... Mas nada falei... 


Outro tombo inesquecível foi um na porta do mercado velho na Rua Coronel Vaiano. Estava com a bicicleta do meu primo, o Hélcio, uma Barra Circular vermelha linda e nova. Vinha em alta velocidade tinha virado na Abel Pereira de Castro e ia todo acelerado, quando sai um senhor de uma frutaria que ficava em frente, hoje ali é a Imobiliária Franco. Ele não me viu, tentei tirar dele, mas, não consegui, atropelei o senhorzinho, só via frutas e verduras subindo e esparramando pelo chão, eu fui parar embaixo da bicicleta, e o cidadão caiu do outro lado. Ele todo preocupado comigo, pois acreditava que eu tinha me arrebentado. Mas a galera que estava nos armazéns do mercado, não achara a mesma coisa começou xingamento, eu, mais que depressa, peguei a bicicleta e tratei de correr, não foi desrespeito com o senhor, foi por medo, eu pequeno e a galera revoltosa, tinha que sair dali, respondi antes para ‘ele estou bem”, vi que ele não estava machucado... E corri... 


Eu morava em frente a OSEGO (Hoje o SAMU). O Roberto pediu para que eu fosse comprar um adesivo para ele colar no caminhão, me disse, tem na Banca Tio Patinhas (Ela ficava na Rua Rafael Nascimento, onde hoje está o Boticário). Ele me disse, ‘vai na minha bicicleta’, uma Caloi 10, nossa vou agora, disse. Estava descalço e sem camisa, só de bermuda. Antes de sair ele me disse (Sei que lá, não sei o que...) olhei para trás sem escutar ou entender nada, falei ‘tá bom’ e fui. Um quarteirão depois ao tentar frear eu entendi o que ele quis dizer, a bicicleta estava sem freios... Mas, eu já tinha acelerado e colocado na marcha pesada, para correr mais ainda... E cada vez ela ficava mais rápida, e eu mais do que preocupado, o que fazer? Naquela época, o trânsito não era tão intenso como é hoje, a Augusta Bastos subia e descia, porém o fluxo era pequeno, não tão pequeno, mas em relação a hoje, era. Fazer o retorno não dava para virar naquela velocidade era tombo na certa e se aproximava a Rua Ataliba Ribeiro, a presidente acabava ali num enorme buraco... Quase chegando a Rua Professor Joaquim Pedro, decidi “é agora” e fiz o retorno, não deu outra bati no meio fio e caí e, é claro, esfolei os joelhos e alguns dedos do pé...


Teve um que quase me arrebenta, o meu primo Hilton chegou lá em casa com uma bicicleta, pedi, posso dar uma volta? Ele disse vai... Eu morava na Rua Goiânia, desci e virei à direita na Geraldo Jaime, dei a volta no quarteirão, chegando à porta de casa, resolvi dar outra volta, só que dessa vez, eu virei à esquerda, porém em alta velocidade. Naquela época o Colégio do Sol estava sem muro, devido à revolta dos alunos, a direção plantou árvores e as protegeram com cerca de bambu, bati no meio fio, fui arremessado em cima das cerquinhas e arranquei umas duas com as costas, desloquei a clavícula, e me esfolei todo. Sem contar os danos na bicicleta do primo... 


Em 2000, eu realizei um sonho de criança, comprei uma linda bicicleta verde na loja... O Victor Hugo antes de completar 12 anos já ganhou três bicicletas novas, e a Yasmin antes dos 10, ganhou duas... E presenteando os meus filhos, fico mais feliz, também, me realizo... São outros tempos, sei que o pai fez o que pode, e dentro das possibilidades nos proporcionou com o que deu. Naqueles tempos, os espaços eram outros, e o que tínhamos valia muito mais do que qualquer presente... Liberdade e segurança... E muita felicidade... De camisa de peito aberto, descalço e cabelo ao vento... Se caísse, levantasse e fosse de novo...