Era uma cena típica dos domingos nas
décadas de 70 e 80: logo ao amanhecer, as pessoas se dirigiam animadas à feira,
que na época se instalava na Rua Augusta Bastos. O vai e vem era constante —
gente com sacolas nas mãos, conversa fiada no ar e aquele burburinho acolhedor
que marcava o início do dia. Caminhonetes
encostavam para descarregar porcos, frangos e patos vivos, enquanto os
fregueses circulavam entre os espaços. Meu tio Alaor, sempre acompanhado da
família, também marcava presença, trazendo suas vassouras artesanais, pimentas
e outras verduras cultivadas com dedicação. Era o dia de comprar o frango ainda vivo, escolhido
com atenção, junto com um pé de gueroba — ou guariroba, como preferir —aquele
ingrediente que daria o sabor característico ao almoço de domingo.
A cena que sempre trago na lembrança é a das
pessoas voltando para casa com um frango vivo pendurado em uma mão e, na outra,
um pé de gueroba. Depois, havia sempre uma parada no armazém de alguém: um
pacote de macarrão — de preferência o número 5, o mais grosso —, pois o almoço
precisava ter “sustança”. Um pote de extrato de tomate, um pedaço ou mesmo um
pacotinho de queijo ralado e, para fechar com chave de ouro, uma Coca-Cola de
um litro, na clássica garrafa de vidro, chamada de “Coca Família”, guardada na
geladeira e que estalava ao ser aberta. Isso era festa. Era comum ver essas
cenas se repetindo a cada fim de semana. Eu mesmo presenciei muitas. Hoje, já
não se vê mais. A feira mudou, os hábitos mudaram, mas a memória... essa
continua viva.
Minha mãe, quando pedia para comprar o macarrão,
sempre fazia questão: “Traga o mais fino, de preferência o número 1.” Meu pai,
ao contrário, gostava mesmo era dos números maiores. Mas, para não a contrariar,
acabava comendo o fino com gosto — como quem cede por amor. A mãe não tinha
coragem de matar o frango, mas sempre havia uma vizinha prestativa disposta a
ajudar na tarefa de “destroncar” o pescoço do penoso. Lembro de um domingo,
mais precisamente em 1973. Morávamos na casa azul, de frente à Rádio Difusora.
Meu irmão mais novo, com seus dois anos, curioso, viu a mãe mergulhar o frango
no caldeirão de água fervente para depenar. Num piscar de olhos, ele fez o
mesmo e enfiou a mãozinha na água quente. Ficaram as marcas — tanto na pele
quanto na memória.
Geralmente, quando íamos às fazendas de amigos ou às festas na roça, era diferente – Ali, sim, usava-se o macarrão mais grosso, e meu pai se esbaldava com aquele sorriso de quem sabia aproveitar a simplicidade da vida. Quantas vezes fizemos isso... Era algo natural e corriqueiro. Tudo era mais próximo, mais convidativo. E a simplicidade fazia com que qualquer um que chegasse se sentisse parte da família. Tudo muito simples, mas de uma riqueza incomensurável.
Com o passar do tempo, as porteiras e os colchetes foram se fechando. A simplicidade foi sendo trocada pela ostentação, e tudo aquilo ficou apenas na recordação. Com o tempo, os lugares à mesa também foram mudando. Alguns ficaram vazios por motivos que a vida insiste em nos apresentar. Outros foram ocupados por novas presenças e novas histórias. Mas a saudade... essa permanece, silenciosa e bela.
A comida caseira tem esse poder: nos leva de volta
no tempo, abre a porta da memória e nos faz sentar novamente àquela mesa, entre
risos, barulho de talheres, o prato esmaltado e o cheiro bom vindo da cozinha.
O sabor mudou, o cardápio também. Mas a lembrança permanece — e, com ela, a
saudade de alguém. Porque, antigamente, o almoço de domingo era mais que uma
refeição. Era um ritual de amor, de união, de presença. Hoje, aprendemos a
reviver esses sentimentos em outros contextos, a saborear cada instante como um
presente. E é isso que torna a vida tão única e tão bela.