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segunda-feira, 30 de junho de 2025

Nota de Pesar Verde


 



É com profunda tristeza e decepção que comunicamos o falecimento do pé de pequi, plantado com tanto simbolismo na Praça da Matriz. O pequizeiro — árvore símbolo do Cerrado — é conhecido por sua copa frondosa, que pode atingir até 12 metros de altura. Mas este jamais crescerá. Infelizmente, o que ali existia não se tornará sombra, nem abrigo, nem flor. Não existe mais. Fica a pergunta, que ecoa no vazio deixado pelos galhos ausentes: era realmente necessário o corte?

A legislação brasileira proíbe o corte de pequizeiros, salvo em casos muito específicos — como árvores mortas, doentes ou em áreas destinadas a obras de utilidade pública — e sempre com a devida autorização dos órgãos competentes. Será que alguma dessas condições se aplicava neste caso? É apenas uma pergunta. Um questionamento legítimo. Necessário.

Hoje, resta-nos o silêncio. Perdemos mais do que uma árvore. Perdemos um símbolo. Perdemos um pedaço do Cerrado. Uma promessa de natureza viva, ali mesmo, no coração da cidade... É uma pena, lamentamos... 






sexta-feira, 13 de junho de 2025

LAGOA SANTA, 40 ANOS DEPOIS


 

A inesquecível viagem dos alunos do Colégio do Sol em 1985 virou lenda entre amigos, casais e histórias que ainda arrancam risos — e saudade.

Por: Fábio Trancolin


No calendário, marcava 13 de junho de 1985. Era uma noite fria, mas de alma quente. Na porta do Colégio do Sol, em meio a mochilas nas costas e corações acelerados, um grupo de adolescentes embarcava rumo a uma viagem que atravessaria quatro décadas em lembranças: o destino era Lagoa Santa.

A excursão, inicialmente marcada para a Semana Santa, foi adiada por um bom motivo: o professor Agrest, querido por todos, precisou cuidar da mãe doente. Ninguém queria ir sem ele. Era um desses professores que ensinavam além do conteúdo — transmitiam entusiasmo, amizade e alegria. Decidimos juntos: com Agrest ou nada feito. A espera valeu a pena.


Na noite do embarque, alguns já iniciavam a comemoração. Selmo, Manoel e eu passamos em um bar da Presidente Vargas para “esquentar” o clima — e até compramos cigarro Galaxy, “especial para a ocasião”. Coisas da juventude...

A viagem seguiu pela BR-060 e GO-184 até Lagoa Santa. Ao chegar, a casa alugada era mais uma tapera do que um abrigo, mas serviu perfeitamente. O frio era cortante, um frio que, até hoje, nenhum dos presentes conseguiu esquecer — e que só foi enfrentado com cobertores finos, casacos improvisados e doses generosas de Velho Barreiro. Ao final, 49 garrafas vazias foram penduradas em uma árvore em frente à casa, como troféus de resistência juvenil.


As lembranças são muitas. Aloísio, o Japonês, tentou esconder uma farofa deliciosa feita por Dona Carmem, sua mãe — mas, cercado por mais de vinte esfomeados, teve que repartir. Um batom labial cor-de-rosa, “protetor contra o frio”, foi passado por alguns rapazes desavisados — inclusive pelo motorista. Não saía nem com reza brava. O irmão do Gato, “convidado por carona”, exagerou na cachaça e vomitou bem em cima do precioso casaco de carneiro de Célio. Pense num homem bravo.

Houve também o romance frustrado do Japonês com uma moça local, que o fez caminhar pela madrugada até dispensá-lo com um simples "Tchau". Manoel e Selmo, em ato de coragem ou loucura, resolveram atravessar o Rio Aporé a nado — em pleno junho, com água gelada de cortar o corpo.

Durante o dia, a lagoa era quente, mas o vento gelado exigia toalha aberta e amigo por perto ao sair. Homens e mulheres se revezavam na água ao som de um sino que marcava os turnos de hora em hora. À noite, todos se reuniam no bar do japonês — o único ponto de encontro da cidadezinha, que naquela época ainda era um vilarejo pouco estruturado.



No domingo, 16 de junho, todos pararam para assistir ao jogo da Seleção nas Eliminatórias da Copa. O Brasil venceu o Paraguai por 2 a 0, com gols de Casagrande e Zico. Agrest, flamenguista apaixonado, gritava como Galvão Bueno: “É craque, é gênio!”. Era a Seleção de Telê Santana, com Zico, Sócrates, Júnior e Falcão. Um time que sabia jogar — assim como nossa turma sabia viver.

E como se tudo isso já não bastasse para eternizar a viagem, três casais surgiram daquele fim de semana: Ailton e Ana Lúcia, Tom Jonas e Lúcia, Manoel e Marta — AA e MM ainda estão juntos com filhos e netos... Tom Jonas se foi...



Lembramos, sim. E sempre vamos lembrar. Porque há viagens que não terminam no fim de semana. Existem memórias que resistem ao tempo — permanecem jovens, vivas, como aquela turma, aquela noite gelada, a farofa dividida, o batom que marcava bocas e risadas, os maracujás do Mato Grosso do Sul... A cachaça contada em garrafas penduradas na árvore... o sino que marcava rodízio, como quem marca capítulos de uma história que não será esquecida.

Essa era a turma da excursão. Sinto saudades de cada um. Alguns ainda encontro, outros há muito não vejo. E três nos deixaram, retornando ao Plano Espiritual: Cigano, Baiano e Antônio Jonas — mas seguem conosco em cada lembrança.



Estavam lá: Adalto, Agrest, Ailton, Aloísio (o Japonês), Antônio Jonas, Celestino, Célio, Clayton, Edno (Baiano), Fábio Trancolin (o contador de histórias), Vilmar (o Gato, de olhos verdes, o “zoio de gato”), Gerson (Cigano), Jairinho, Manoel, Nilton César, Odair, Osmar e Selmo... e até o irmão do Gato, que pediu carona até Itajá, porém, seguiu viagem e ficou por lá... E, entre as meninas: Ana Lúcia, Aparecida, Márcia, Mariana Emília, Marina, Marta, Lúcia Helena e Zilma.

Quarenta anos depois, tudo isso continua vivo. Porque certas histórias não passam. Elas permanecem — como cicatriz bonita, como retrato antigo, como saudade boa.





quinta-feira, 5 de junho de 2025

A Cidade que se derruba


 



Tenho andado pela cidade. Não por pressa, nem por falta do que fazer. Ando porque gosto de caminhar, observar, trocar palavras e silêncios. Gosto de ouvir os sons da cidade — todos, exceto o barulho insistente que escapa das caixas de som nas portas do comércio local. Caminho para perceber o que ainda resiste e o que já se perdeu pelo caminho. Nessas andanças, sou uma testemunha silenciosa da demolição e da reinvenção, da beleza que insiste em permanecer e daquela que já virou lembrança.

Às vezes, passo por lugares tão familiares... e, de repente, parecem estranhos. Como se tivessem mudado de roupa, de rosto — até de alma. A cidade mudou. Ou melhor, se transformou. E mudou tanto... O verde que antes havia já não “ave” mais — voou, como os pássaros que perderam suas árvores.

Para quem não anda pelas calçadas há algum tempo, o susto é inevitável: “Cadê aquela casa?” — caiu. “E a outra?” — virou estacionamento. “Essa aqui?” — virou farmácia. “E aquela que era patrimônio?” — também foi ao chão. Porque agora, o patrimônio não é o que se guarda, mas o que se vende.

A cada passo, presencio mais uma demolição. Esperava, confesso, uma restauração. Mas não. Vi as máquinas trabalhando, operários no ritmo do vai e vem. Perguntei a um deles, talvez um encarregado: “Vai restaurar?” E ele, sem rodeios, respondeu com frieza: “Não. É pra derrubar tudo. Pôr no chão!” Só consegui dizer: “Que pena…”

Na esquina onde o tempo parecia ter parado, resistia o antigo Mercado Central, mais conhecido como Mercado Velho. Foi idealizado na gestão do prefeito Paulo Campos. Quantas memórias cabem em um lugar assim? As escadas que subiam da rua levavam a um mundo conhecido: lá dentro, o queijo curado e fresco, o polvilho do Lourival, as verduras do Chico, a banca da Lucimar, o armazém do Joaquim Cândido, a pastelaria do Brito, o açougue do Antero. Tinha barbeiro, com mãos hábeis conduzindo a tesoura. Tinha cambista vendendo bilhetes de loteria. Do lado de fora, na Coronel Vaiano, havia o bar do Osvaldo e o armazém do João Quito. Meu pai, no início da década de 70, esteve ali, juntamente com minha mãe, numa banca de salgados. Era um ponto de encontro para conversas que giravam em torno de tudo: política, futebol, cotidiano.

Havia doce de leite na palha, amendoim na casca, feijão a granel, a balança com seus pratos de metal e aquele eterno jogo de pesos. Farinha vendida a quilo, linguiça pendurada no varal, frangos vivos expostos ao lado das vassouras de palha. Frutas e verduras se misturavam ao perfume das quitandas, ao cheiro de pastel — gairobas — ou guarirobas, tanto faz o nome. O gosto amargo era inconfundível. e, para muitos, uma delícia. Mas ficou o amargo do fim da história. "Quem não tem passado, não tem memória."

Era tradição passar por ali, especialmente à tarde. O trajeto era quase um ritual: entre frangos vivos, frutas, farinha e pequi, o cheiro da pimenta nas garrafas de vidro — vermelha ou amarela, ambas ardendo na boca. Tudo tinha sabor, história e presença. Acredito, sinceramente, que valeria a pena restaurar..., Mas é só o que penso.

A preservação de um patrimônio, ao longo do tempo, exige cuidados. A ferrugem e a corrosão se instalam, o tempo toma conta das paredes e do madeiramento, as administrações se esquecem... E tudo vai se desfazendo em pó. O tempo derruba o passado, decepa tradições, inaugura uma nova paisagem.

A cidade vai trocando suas lembranças por prédios espelhados. Vai apagando histórias para escrever números. O progresso? Dizem que é inevitável. Mas eu me pergunto: não valeria a pena preservar, para a história contar? Eu conto histórias... Enquanto isso, sigo andando. Ainda escuto. Ainda observo. Ainda guardo o que a cidade insiste em esquecer. Eu conto histórias...