As narinas se abrem à lembrança do tempo em que o
vento trazia o perfume da florada da jabuticaba — um cheiro convidativo, que me
conduz, sem pedir licença, de volta à infância. Era setembro, depois das chuvas
de primavera, e os quintais se enchiam de aromas e sabores.
Naquele tempo, os
quintais eram grandes, generosos. Havia neles um respeito silencioso pelas
árvores; não se cortava tanto, não se cedia tão fácil ao concreto. O cimento
ainda não sabia engolir memórias. Jabuticabeiras, goiabeiras e mangueiras se
espalhavam com fartura, ao lado do cajá-manga e da pitanga, do tamarindo, das
laranjeiras e dos limoeiros. Tinha ainda o cajueiro, com seu perfume adocicado,
e o pé de amora, que tingia de roxo as mãos e os sorrisos das crianças.
Morei em quintais
assim, generosos. Lembro-me especialmente de uma casa no final dos anos 70, um
casarão de portas e janelas vermelhas, feitas de madeira maciça. No quintal, as
jabuticabeiras viviam carregadas, e as goiabeiras insistiam em oferecer frutos doces
mesmo sem cuidados. As casas vizinhas também guardavam seus tesouros:
mangueiras de troncos imensos, que sombreavam as tardes quentes. O quintal era
um pedaço da vida — simples, alegre, abundante.
Na minha estante guardo O Meu Pé de Laranja Lima. Mais do que uma história, ele é memória de um tempo em que quintais eram refúgios. Vi o filme, assisti à novela dos anos 80, e ainda me dói a cena em que arrancam o pé de Zezé para dar lugar a uma avenida. Aquele quintal imenso e frutífero foi soterrado pelo progresso, como tantos outros.
Assim também aconteceu com os quintais da minha infância: cederam ao concreto, às kitnetes, à pressa do progresso. E cada árvore que tombava parecia levar consigo um pedaço da nossa inocência.
Mas, vez ou outra,
basta o cheiro da florada da jabuticaba para me devolver tudo: o quintal, os
frutos, as tardes de primavera... e a saudade de um tempo em que a vida parecia
caber inteira debaixo de uma sombra frondosa.
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