Muitos sabem que eu adoro contar histórias. Mas, para contar, é preciso saber ouvir — e como é bom ouvir as histórias que alguém tem para compartilhar. O personagem desta, em especial, nasceu em 1932, no dia 5 de janeiro. Naquele longínquo ano, acontecimentos marcantes moldavam o país: eclodiu a Revolução Constitucionalista, em 9 de julho, em São Paulo; em fevereiro, Getúlio Vargas aprovou o primeiro Código Eleitoral do Brasil, instituindo o voto feminino e a Justiça Eleitoral; o inventor Santos Dumont faleceu em 23 de julho; e a Mangueira venceu o primeiro desfile oficial das escolas de samba no Rio de Janeiro. Foi nesse cenário de mudanças que nasceu Seu Juarez Souza.

Numa tarde quente de novembro, fui visitá-lo em sua residência, na rua Cel. Vaiano. Ali, ele costuma ficar sentado na porta, observando o tempo passar — e, em se tratando de tempo, ele realmente o viu passar. Testemunhou muitas transformações na cidade.

Juarez nasceu onde hoje está a cidade de Santa Helena. Na época, havia ali apenas algumas fazendas pertencentes a Rio Verde. Ele veio ao mundo na antiga “Fazenda do Coqueiro”. Mais tarde, sua família mudou-se para Rio Verde para que os filhos pudessem estudar. Fixaram residência onde atualmente se encontra a avenida Presidente Vargas, no início da década de 40. Ele estudou em uma escola particular, aluno do severo professor Otavio — época da palmatoria. “Naquele tempo, o professor avisava: ‘amanhã vai ter argumentação da tabuada’”, contou ele. O mestre perguntava: “Quanto é 8 x 4?” Se o aluno não soubesse, passava a pergunta para outro. Caso o segundo respondesse corretamente, o primeiro recebia o castigo. Juarez contou que recebeu o famoso “bolo” algumas vezes — um golpe na palma da mão. Doía muito. Eram outros tempos, tempos das severas corrigendas. Havia também o castigo de ficar de joelhos no canto da sala. Ele recorda ainda sua maleta de madeira, na qual levava todo o material escolar, sempre muito organizado.

Aos 14 anos, começou a trabalhar no armazém de João Jayme, localizado onde hoje é a esquina da rua Major Oscar Campos com a Itagiba Gonzaga Jaime. João Jayme trabalhava com João Baía, e dona Tereza, sua esposa, começou a vender biscoitos e outras mercadorias. Assim, o João deixou o antigo emprego e fundou o Armazém do João Jayme. Juarez chegou ali ainda na década de 40, um menino-homem de 14 anos. Ele relata que João era extremamente correto e honesto — e logo o registrou.

Por muitos anos, Juarez permaneceu atrás daquele balcão. Por lá passaram Nico, Tulinho e um rapaz chamado Sirlim, que trabalhou por quase dois anos no armazém. Depois, Sirlim saiu para trabalhar com outro João — o João Uberaba, do Depósito Uberaba — e mais tarde fundou o Comercial Campeão, que deu origem à rede Campeão Supermercados.

O Armazém do João Jayme era do estilo “Secos & Molhados”. Havia de tudo exposto para o freguês escolher: açúcar, arroz, feijão — tudo retirado com a concha e pesado nas balanças de ferro, com pesos de um lado e o produto do outro. Tempos depois, veio a modernidade: seu João comprou uma balança Filizola, que tornou tudo mais prático. Mas nem todas as lembranças são boas. No armazém vendia-se soda cáustica a granel. Certa vez, ao pegar o produto com a concha, uma pequena farpa caiu no olho de Juarez. A dor foi terrível. Ele precisou ser levado ao médico, mas, felizmente, não ficou com sequelas.

No balcão, também se serviam bebidas. Havia pinga, cerveja e, entre elas, a extinta cerveja preta Niger. Ali se conversava sobre diversos assuntos, mas política e futebol eram os temas prediletos. Seu João era politizado — e politiqueiro — e muitos debates acalorados surgiam naquele ambiente. Naquele tempo, as ruas ainda eram de cascalho; o asfalto só chegaria na gestão do prefeito Paulo Campos.


Juarez trabalhava no armazém quando se casou com Maria Godoy. Do casamento nasceram três filhos: Renata, Cláudia e Sérgio. Sérgio nasceu em 1970, ano de Copa do Mundo, época em que Juarez ainda servia no balcão do João. E, falando em futebol, ele era apaixonado pelo esporte. Goleiro alto e de grande envergadura, brilhou no futebol amador, defendendo o Corinthians da cidade. Ganhou medalhas, muitas delas por ser o goleiro menos vazado. Recorda-se de ter recebido uma medalha das mãos do juiz de direito Paranaíba Santana. Viajaram por cidades da região — Jataí, Mineiros, Morrinhos — disputando campeonatos. Certa vez, João Jayme, que adorava futebol, viajou como torcedor, enquanto Juarez, atleta do time, ficou no balcão trabalhando. Isso gerou descontentamento entre os jogadores. Mas João era o patrão...

As partidas em Rio Verde aconteciam nos fundos do Colégio Martins Borges, onde, na época, não havia quadra — muito menos o Colégio Oscar Ribeiro. Aquele amplo espaço servia como campo para os jogos do futebol amador, e o povo se reunia ali para assistir aos confrontos no terrão.

Anos depois, Juarez abriu seu próprio comércio: o Comercial Souza, na esquina da rua Cel. Vaiano com a rua Augusta Bastos. Foram quase vinte anos atendendo atrás de seu próprio balcão. Hoje, nosso personagem segue sentado à porta de sua casa, sempre disposto a uma boa conversa, a revisitar amigos e memórias. Assim é que as histórias continuam — e continuarão — sendo contadas.