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| Rua Rafael Nascimento - 1982 |
Era junho de 1981 quando fomos morar em São Paulo.
Ficamos apenas alguns meses, imersos na intensidade da pauliceia desvairada.
Mas foi aqui — nesta cidade que não me viu nascer, mas onde me reconheço — que
as lembranças fincaram raiz. Depois de menos de um ano na capital paulista,
retornamos a Rio Verde. Não nasci aqui, é verdade, mas a reconheço desde o
início da década de 1970, quando comecei a perceber o mundo, seus lugares e
seus cheiros.
Na tela, uma imagem de maio de 1982. Eu tinha 13
anos — um pré-adolescente descobrindo a cidade passo a passo. E, ao fundo dessa
lembrança, pulsa a Rua Rafael Nascimento, indo e vindo em seus dois sentidos,
dividida pelas tartarugas cravadas no asfalto, guiando o trânsito que seguia da
Praça 5 de Agosto até findar no Sanatório.
O Bradesco — Banco Brasileiro de Descontos — fazia
parte da paisagem, e ainda faz. Em frente a ele, o Serve Rio Verde,
supermercado que até hoje carrego nas narinas: o cheiro inconfundível de seus
corredores é memória viva. Havia também o Bar do Cido, ponto tradicional, e a
Panificadora Natal, tão marcante naqueles tempos, que realmente fez história. E
logo ali ao lado, o fliperama — sempre cheio, barulhento, vibrante. Na década
de 1980, esses lugares eram verdadeiros templos da diversão. Pac-Man, Donkey
Kong e tantas outras máquinas iluminavam as tardes inteiras da molecada.
Ao lado do supermercado ficava a Banca Tio
Patinhas, reino mágico das revistas, gibis, almanaques e figurinhas. Tempos
depois, ela se mudou um pouco mais à frente. No meio do quarteirão, uma entrada
mais abaixo levava às escadas que conduziam a um bar com mesas de sinuca —
proibido para menores, mas, ainda assim, eu entrei. A curiosidade era maior que
as regras.
A Moraes Modas preenchia suas vitrines com camisas
e elegância. Pertencia ao senhor José Moraes, pai da bela e encantadora Raquel.
Na esquina, a Farmácia Nossa Senhora da Guia, onde meu amigo Primo (Carlos)
trabalhava, era ponto conhecido. Do outro lado da rua, a tradicional Óticas Rio
Verde, conduzida pelo senhor Joaquim, seguia como referência em armações e
lentes — e ainda hoje mantém suas portas abertas, agora nas mãos de outra
geração. Já o Bazar do Livro era um universo à parte: das estantes saíam a
Coleção Vagalume, a Coleção Elefante e tantos outros títulos que nos abriram
janelas para mundos inimagináveis.
Mais à frente, o Clube Rio-verdense. Entrei ali
muitas vezes. Às sextas-feiras era boate — ambiente mais elitizado, ingresso
caro. Aos domingos, a soirée, ou suarê, mais democrática. Pelo Banco
Nacional passávamos com frequência, e no Sindicato dos Bancários, presidido por
Sebastião Gonzaga, tentávamos arrumar ingressos para o Clube dos Bancários,
administrado pela família do seu Dulcino. A quadra era território nosso, e as
piscinas, mesmo sem terem águas tão límpidas assim, eram mergulhadas com
alegria.
O escritório do advogado Marco Antônio Cruvinel
guardava muitas histórias. Logo adiante, a Onogás se destacava, acompanhada de
seu comercial inesquecível — “A Onogás vende mais barato, você sabe; agora
simpatia, facilidade e entrega pontual são exclusividade da nossa Onogás” — e
do tradicional carnê, pago religiosamente no fim do mês. Quase ao lado
situava-se o escritório do meu tio Juvenil, representante da Companhia Paulista
de Fertilizantes (COPAS), uma referência para produtores e agricultores da
região.
A casa da família Nascimento — de Iturival
Nascimento, então deputado federal — era um ponto de referência na rua, assim
como a residência de Carrinho Cunha, pai do ex-prefeito Paulo Roberto Cunha.
Nas proximidades, destacava-se A Sertaneja, tradicional comércio de Jeronymo
Martins. Em suas prateleiras cabia de tudo para a lida do campo: fazendas,
ferragens, armarinho, sal, café, arame farpado… e muito mais. Era o tipo de
loja onde o produtor rural encontrava exatamente o que precisava, do básico ao
indispensável.
O Banco do Brasil, as Lojas do Zaiden (Casa Santo
Antônio) e o Salão Rex, onde o amigo Sabará engraxou os sapatos da elite
rio-verdense, compunham a paisagem marcante da rua. Ali também ficava o lar do professor
Clóvis Leão. E, na esquina de frente à Praça dos Coqueiros — que, na verdade, é
adornada por palmeiras imperiais — “Vai caçar ou pescar? A Karajá!”. Cada canto
guardava sua própria marca, seu próprio significado na história da cidade.
E havia, imponente e histórica, a casa de Paulo Campos. Considerado um dos gestores mais eficientes de Rio Verde, ele foi prefeito (1961–1966), deputado federal eleito com votação expressiva em 1966 e integrante da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Na década de 1950 abraçou a Doutrina Espírita; em 1956 fundou o Instituto de Assistência de Menores (IAM) e, por mais de cinco décadas, presidiu o Centro Espírita Eurípedes Barsanulfo. Em sua casa hospedou figuras ilustres, entre elas Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. No fim da rua, o Sanatório marcava o término da Rafael Nascimento. Era o encerramento físico e simbólico de um percurso cheio de vida, afetos, cheiros, sons e histórias que moldaram uma infância — e uma geração inteira.
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| Rua Rafael Nascimento - Década de 80 |
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| Rua Rafael Nascimento - Década de 70 |
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| Rua Rafael Nascimento - 1974 |
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| Rua Rafael Nascimento - 1981 |
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| Rua Rafael Nascimento (eleição) - 1982 |
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| Visita do presidente Juscelino Kubitschek — na residência de Paulo Campos, na rua Rafael Nascimento, ao lado do presidente e de sua irmã, Amanda Campos. |
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| À esquerda, a Associação Pró-Cáritas, situada no final da rua Rafael Nascimento. |
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