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| Grupo Escolar Demolicio de Carvalho – 1979 - Alunos da Prof.ª Lena Carvalho - Acervo: Arlen Matos |
O
ano de 1979 ia se despedindo devagar, com aquele cheiro de caderno novo e tarde
quente que só a infância conhece. Havia algo de definitivo no fim daquele
dezembro — como se a vida, com toda calma, virasse a página sem pedir licença.
Encerrava-se o primário, aquele ciclo redondo, seguro, onde tudo cabia dentro
de uma sala e de uma única voz: a da professora Lena.
Foram
anos marcados por nomes que até hoje soam como campainha de recreio na memória:
Odete, Tania, Maria Aparecida, Castorina e Lena… Cada uma, do seu jeito,
ajudando a moldar a base — Pré, 1º, 2º, 3º, 4º — como blocos empilhados até
formar a pequena estrutura que a gente acreditava ser o mundo inteiro. E era
mesmo.
No
próximo ano, diziam, viria o ginásio. Mais matérias, caneta azul e vermelha, um
professor pra cada disciplina — um verdadeiro desfile de novidades que
assustava e encantava ao mesmo tempo. A merenda ficaria para trás; no ginásio
não tinha merendeira, não tinha aquele cheiro de mingau, macarrão com sardinha,
pão com margarina, de infância açucarada. A década de 70 acabava, e eu
terminava junto com ela a minha primeira versão: ia fazer 12 anos, um quase
adolescente tentando entender o que vinha depois da curva.
Meus
planos eram claros como a luz da manhã: eu iria para o colégio novo, o
recém-inaugurado Oscar Ribeiro da Cunha. Todos iriam. Ela iria. E, se ela ia,
claro, eu também iria. Parecia simples — seguir com a turma, com os risos de
sempre, com o mundo organizado em torno das mesmas conversas e sonhos de
meninos. Mas, ao deixar o grupo escolar, a diretora Dulce Rocha e as
professoras Lena (4º A) e Valda (4º B) chamaram meu pai à parte. Falaram com
convicção: o menino tem potencial, invista nele.
Meu
pai acreditava que, se me colocasse num colégio particular, estaria garantindo
um futuro melhor. Esse era o plano dele — e não o crítico; fez pensando no que
julgava ser o melhor. Foi então que surgiu a tal bolsa de estudos para o
Instituto Moreira Guimarães: colégio particular, uniforme impecável, aquela aura
de importância que enchia os olhos dos adultos e que, para mim, soava como
outro mundo, outro tipo de gente, outra realidade. Coisa de classe abastada,
distante do meu chão. Tudo graças ao amigo dele, o deputado Iturival
Nascimento. Meu pai, orgulhoso, assinou a matrícula como quem entrega ao filho
um “futuro melhor”, certo de estar abrindo portas — sem perceber que, por
dentro, eu só via janelas se fechando.
Eu fiquei frustrado. Não era o que eu queria, nem o que eu havia imaginado para mim. Não era a minha turma, meu mundo, minha realidade. No novo colégio, tudo parecia rico demais, distante demais, sério demais — como se eu tivesse sido colocado num cenário que não me reconhecia. Ela não estava lá. Eles não foram. E eu permaneci sozinho entre carteiras brilhando e corredores que não guardavam nenhuma história minha. Até que, um dia, ouvi a frase que ficou ecoando por muito tempo: — “E como você vai pagar? Seu pai não tem dinheiro… aqui é caro!” Aquela sentença, lançada ao acaso, parecia anunciar um futuro que eu ainda não sabia decifrar — mas que deixava claro: ali não era o meu lugar. Aquele mundo não era meu. Eu não pertencia a ele. Mas, olhando de longe, dá pra perceber: a vida sempre gostou de mudar nossos caminhos antes que a gente aprenda a pisá-los. E talvez 1979 tenha sido isso — o primeiro grande empurrão do tempo, dizendo: “Vai. Cresce. Mesmo sem entender.”
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| Grupo Escolar Demolicio de Carvalho – 1979 - Alunos da Prof.ª Lena Carvalho -Acervo: Arlen Matos |
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