Fábio
Trancolin
No natal de 1974 meu pai me
deu um autorama, presente esse comprado na Casa das Louças, o Fitti Show
em homenagem ao Bicampeonato mundial de Fórmula 1 de Emerson Fittipaldi 72/74.
Não era tão popular a Fórmula 1, o futebol era mais interessante. Nas nossas
corridas de carrinhos de rolamentos colávamos maços de cigarros Marlboro
imitando o patrocinador oficial da F1. Às vezes víamos as corridas, não era com
frequência...
Na temporada de 81, o Brasil
ganha o terceiro título na categoria, dessa vez com Nelson Piquet, e nesse ano
uma corrida em especial me chamou à atenção, o Grande Prêmio do Canadá, eu
morava em São Paulo, e assisti com o Tio Gilberto, vimos o canadense Gilles
Villeneuve dar um verdadeiro show debaixo de um temporal com a asa dianteira
destruída, quase que sem visão ele conduzia como se nada tivesse acontecido e
subiu no pódio em 3º. O interesse cresceu pelo esporte automobilístico, nessa
época o chiclete Ping Pong lançou uma coleção de figurinhas da temporada 82, eu
juntei. Naquele ano no dia 8 de maio no circuito de Zolder na Bélgica,
Villeneuve sofreu o acidente que entrou para história como o mais violento da
era moderna da Fórmula 1, morria ali um dos pilotos mais arrojado e destemido
que passou pela categoria, sem nunca ter conseguido um título, ter alcançado
apenas 6 vitórias, ele até hoje é considerado para os ‘Ferrarista’ a
alma do ‘cavallino rampante’, em recente pesquisa ele leva vantagem no
coração do torcedor da Ferrari em relação a Schumacher que conquistou cinco
títulos pela escuderia de Maranello e mais de 70 vitórias pela equipe.
Virei um verdadeiro fã de
Fórmula 1, assistia todas as corridas, lia e comprava tudo o que aparecia sobre
o esporte, e fazia as minhas anotações. Na temporada de 83, o título mais uma
vez veio para o Brasil, o 4º título e o bicampeonato de Piquet. Nas transmissões se falava muito em um piloto que vinha
pulverizando os recordes das categorias de acesso, era nome certo para
temporada do ano seguinte. E no grid do GP do Brasil, 25 de março de 1984 ele
estava lá, quatro dias depois de ter completado 24 anos, era a estreia de
Ayrton Senna na principal categoria de automobilismo. Ele deu apenas 8 voltas
com o seu Toleman, e abandonou, na prova seguinte o primeiro ponto na carreira,
GP da África do Sul ele chegou em 6º. A primeira vitória poderia ter acontecido
no GP de Mônaco o sexto da temporada, se não fosse a manobra do diretor de
prova o ex-piloto Jacky Ickx, que parou
a prova e deu a vitória para Alain Prost, foi o primeiro pódio, ficou em
segundo, mas sabendo que era o ‘primeiro’... O recado estava dado, veio para
vencer ... Naquele ano foram três
pódios.
Quando começou a temporada
de 1985 ele pilotava a Lotus, um dos mais belos carros da história da Fórmula
1, naquele ano até o cigarro que eu fumava era o JPS, era o patrocinador
oficial da Lotus. E com a preta e dourada debaixo de um verdadeiro dilúvio ele
cruzou a linha de chegada no Estoril em primeiro, naquele domingo em que o
presidente que não tomou posse voltava para o Plano Espiritual, o ‘herói
enforcado’ era lembrado, o novo Herói nacional comemorava o triunfo no dia 21
de abril. Seis vitórias e três temporadas depois, os especialistas diziam, ‘Senna
tem a inteligência de Fittipaldi, a frieza de Lauda e o arrojo de Villeneuve’. Ele assinou com a McLaren-Honda e dava inicio a uma parceria vitoriosa. E naquele
ano de 88 o melhor piloto com o melhor carro, e um ‘companheiro rival’
extremamente competente o ‘Professor’ Alain Prost, o Herói fez 13 poles e 8
vitórias. E na madrugada de 30 de outubro, o titulo era dele em uma corrida
extraordinária, depois de largar na pole e cair para 14º lugar e fazer uma bela
corrida de recuperação o Campeão do mundo era ele. No ano de 89 os poderosos
puxaram lhe o tapete, 90 e 91 ele tratou de colocar as coisas no lugar e
entrava no seleto clube dos tricampeões.
Depois de muitos anos sendo realizado no circuito de Jacarepaguá, em
1990, o Grande Prêmio passou a ser disputado no circuito de Interlagos, Ayrton
foi um dos principais articuladores e na reforma ele desenhou o S do Senna, ele tinha tudo para
levar a vitória daquele ano e estava na liderança quando um japonês atrapalhado
(Satoro Nakajima) lhe tirou a vitória depois de uma fechada.. Em 91 uma corrida que entrou para Hall das maiores vitórias do Magic,
num final dramático, com apenas a sexta marcha, e com extremo desgaste
físico ele recebeu a bandeirada na sua terra, aos berros de dor misturado com
lágrimas e com muita emoção, realizava um sonho, ganhava em casa. Essa é uma
das mais lembradas da carreira do Herói, a imagem dele sem forças para erguer o
troféu no pódio demonstra a garra a determinação e vontade de vencer acima de
todos os limites.
Em 1993 quando teve inicio a temporada daquele ano, Senna
sabia que seria um ano difícil e enfrentar as poderosas Williams da mesma forma
que não tinha sido na temporada anterior, e não foi nada fácil, mas mesmo assim
ele venceu cinco corridas, venceu em casa e comemorou nos braços do povo, se
tornou o Mister Mônaco vencendo seis provas, sendo cinco consecutivas (89, 90,
91, 92, 93). Na prova do GP da Europa em Donington
Park, considerado pela maioria dos especialistas em automobilismo como a
‘corrida da volta perfeita’. Em novembro no dia 07, na Austrália ele venceria
pela última vez... (Não imaginávamos que essa seria a última)... Uma cena
marcou o encerramento daquela temporada, Senna foi assistir ao show da
cantora Tina Turner, a cantora o chamou ao palco, para cantar para ele ‘Simply
the Best’ e dizia emocionada você é ‘The Best’... ‘The Best’...
No ano
seguinte ele realizaria o sonho de pilotar a Williams, o carro perfeito
(pensávamos assim...), seria a temporada perfeita, melhor do que a de 1988.
Imaginávamos que os três anos de contrato com a Williams, Senna acumularia
recordes e mais recordes... Dizem que ele encerraria a carreira pilotando uma
Ferrari, essa afirmação foi dada por Jean Todt o poderoso da Escuderia
Italiana, que em 96 levou Schumacher para a Casa de Maranello, a vaga seria do Magic
Senna. Nos seus três últimos Grandes prêmios, ele largou na pole e não
terminou nenhuma, foram três acidentes...
Naquele dia
do trabalho, aguardávamos a reviravolta no campeonato, Schumacher havia vencido
as duas primeiras corridas, ali teria que começar a reação de Senna. Na sexta-feira,
Rubens Barrichello sofreu um grave acidente, no sábado a morte de Ratzenberger.
Na sétima volta quando ele entrou na curva Tamburello e Galvão Bueno
gritou, ‘Senna bateu forte’, esperávamos que ele simplesmente saísse do carro, mas,
ele não saiu... Ficou ali com cabeça tombada. Quando ele foi levado pelo o
helicóptero a mostra de sangue na pista assustou, não era simples, era grave...
A espera... As notícias... Quando Roberto Cabrini disse: ‘Não há mais esperança para Ayrton Senna, ele está
clinicamente morto... ‘Parece que abriu um buraco,
como o ‘Imortal’ morreu? Herói não morre, mocinho não morre no final... Mas era
verdade, o Herói estava morto e a lenda viva. Os astrônomos italianos presentearam
com uma estrela na constelação de Auriga tem uma estrela chamada Ayrton Senna, que vai brilhar eternamente.
Na empresa que eu trabalhava
todos sabiam da minha admiração pelo ídolo, na minha mesa no porta caneta tinha
a bandeira do Brasil, junto à foto dele. Após os GPs eu comprava pelo menos uns
três jornais, e na empresa tinha a Folha de S. Paulo, no final do dia eu
recortava tudo sobre a corrida e guardava, ainda tenho todos os recortes na
minha casa. Naquela segunda-feira foi cruel ir trabalhar, todos vieram me
cumprimentar, eu tinha perdido um ‘ente da família’... Na banca do Eduardo,
tudo que saia sobre Fórmula 1 era guardado e me avisavam, chegou novidades...
De álbum de figurinhas a Revista Grid... Dos cincos Grandes Prêmio que ele
participou em São Paulo, não deu para ir a nenhum, faltava verba, era caro.
Durante dez anos tudo que eu colecionei eu guardei numa caixa, depois do
desencarne dele, lacrei e guardei...
Na quarta-feira (04.05) eu
tinha um exame em uma clínica que ficava no Shopping Center Norte, enquanto
tomava café assistia aos telejornais que mostravam que o corpo desembarcava no
Aeroporto de Cumbica em Guarulhos, era recebido com honras de chefe de estado o
HERÓI NACIONAL (O maior Herói que tivemos!). Saí de casa fui para o metrô, e me
dirigi para o compromisso. Ao chegar ao terminal do Tietê, o shopping fica na
saída do lado esquerdo, enquanto descia as escadas ouvi um barulho, e sai
correndo em direção a Marginal Tietê que fica do lado oposto, e ao chegar à
ponte sobre o rio, ao fundo vi, o cortejo que vinha em minha direção, quatro
helicópteros da Força Aérea, sobrevoava o carro de bombeiros, outros tantos faziam a cobertura para TVs. Fiquei paralisado, o carro se aproximava e eu
estático. A bandeira cobria o caixão do Mito, a cidade que não pára, mas
naquele dia parece que parou. Quando ele passou na pista embaixo na Ponte das
Bandeiras, a dois metros de onde eu estava, o nó na garganta, a dor da perda, eu
chorei (mais uma vez)... Ali fiquei olhando para o vazio e imaginando quis
tanto chegar próximo ao meu ídolo, e o mais próximo que cheguei foi ali naquele
dia... E no pensamento ficou a vibração e as lembranças das voltas das
vitórias... AYRTON SENNA DO BRASIL!!!!!