Fábio
Trancolin
Sou
do tempo em que crianças podiam andar pelas ruas com tranquilidade e segurança.
Não se ouvia dizer que fulano foi
assaltado ou cicrano assassinado.
Droga era droga e te assustava, e ficávamos bem longe dela, e dos portões, ela
não passava. Lembro que estávamos andando como sempre pelos lados dos cerrados,
no final da cidade, ali, onde hoje é o Solar Campestre, quando um senhor veio e
nos avisou, “cuidado não vá por aí, que tem uns maconheiros lá por trás do lago
do clube”, corremos, nossa, maconheiro era um cara “perigoso”. Hoje é tão
natural, muitas famílias têm um caso em casa, banalizou.
Ninguém
invadia os estabelecimentos alheios para tirar o que não lhe pertencia. Respeitava,
todos se conheciam. Tudo bem, tínhamos lá as exceções. Naquela época tinham os
chamados, “Neguinhos da lavagem”. Era
uma família difícil, tinham dois que estavam sempre juntos, eles eram mais,
porém eu me recordo desses dois, que tínhamos receio da aproximação. Eram
chamados, assim, pois saíam recolhendo os restos de comidas para alimentar os
porcos, e eles ficaram assim conhecidos, uma forma pejorativa, mas, naquela
época, não existia a forma do politicamente correto.
Eles
moravam atrás onde está o Hotel GELPS, próxima à Praça 13 de maio, ali os
quintais iam até a beira do córrego Barrinha. Era uma região um tanto quanto
esquecida. Um ponto em que eles estavam sempre, era na Praça 05 de agosto.
Naquela época, a Praça era um ponto de encontro de engraxates e eles também exerciam
essa função. Presenciei uma vez algo que para fazer, tem que ser muito sem
noção, ou não ter a menor consideração pelo próximo. Na descida da Nizo Jayme
de Gusmão, eles encheram um pneu de trator com água e, simplesmente soltaram
rua abaixo. O pneu bateu na ponte, e não atropelou ninguém...
Onde,
hoje é chamado de CPP (Casa de Prisão Provisória), era somente a Delegacia,
tudo se resolvia ali referente à lei, nos fundo tinham várias mangueiras, era
um terreno enorme, éramos frequentadores assíduos desses quintais frutíferos.
No xadrez, tinha quatro celas, conhecíamos, tínhamos acesso por sermos amigos
dos policias. Lembro que em uma, os presos ficavam trancados, nas outras três,
uma era depósito e as outras abertas. A turma da ‘lavagem’ estava sempre ali,
eram figurinhas carimbadas. Chegavam lá, tomavam um corretivo, passavam um
tempinho ali e eram liberados, era menor, porém o “ECA” não existia.
Sempre
evitava encontrá-los, mas como a cidade era pequena, sempre nos esbarrávamos.
Não mexia com eles. Lembro de uma vez que dei de cara com os dois que estavam
sentados na porta da CAIXEGO, ela ficava na esquina da Praça 5 de Agosto, hoje
é uma loja country. Menino costumava colocar dinheiro no short, eles me
abordaram e levantaram a minha camisa, e perguntaram “cadê o dinheiro?” Não
tenho, respondi assustado, pensei, é, agora que tomo uns tapas, mas eles
disseram, vai... Mas, que depressa, fui...
Conta
a história, que o pai os incentivava a cometer os deslizes. Uma vez, um dos
mais velhos atirou em alguém, e essa
pessoa não morreu, ele foi internado. O pai dos meninos foi lá para terminar o
serviço. Ao chegar lá deu de cara com o irmão da vítima que estava no hospital,
o chefe da turma não teve tempo de atirar, foi alvejado e morreu. Contam que no
velório dele, alguns comerciantes protegidos pela polícia foram até lá e
encontraram alguns pertences que haviam sido roubados. Dizem que um foi
contando para os outros e muitos foram até lá para rever os produtos.
E, assim começou o fim da família, quase todos
tiveram o mesmo fim trágico do pai. Tirando essa ‘Família Buscapé’, do resto,
era tudo muito tranquilo, a paz reinava, e ninguém invadia os estabelecimentos
de capacetes. Não quero dizer que não havia problemas, existiam, porém, era uma
cidade em que a paz e a tranquilidade reinavam. As praças e portas de colégio
eram um lugar em que podíamos confiar. As criaturas da noite não te assustavam
tanto, eles povoavam mais o imaginário. Hoje, elas andam nas espreitas,
observando... Eu tenho andado pela cidade e testemunhado as suas mudanças, sua
destruição, eu, também, observo... E vamos acostumando... “Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia...”.