Páginas

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Empobrecimento musical


Sem pretender evocar a nostalgia, é inevitável não refletir sobre os tempos idos, marcados pelo som do chiado dos vinis, o som único dos toca-fitas, a variedades dos K7, e a magia dos rádios AM, principalmente nas madrugadas, o romantismo no embalos das baladas. Nos programas matutinos a diversidade dominava a paisagem sonora. Cada clique do botão e rotação da fita era uma jornada musical, um ritual que proporcionava emoções únicas. Sem pretensões de ser nostálgico, é impossível não perceber uma transformação no cenário musical, uma mudança que não se reduz apenas à forma como consumimos, mas que ecoa na própria essência do conteúdo. 


Hoje, a tecnologia avançou, e nossas escolhas musicais estão a um toque de distância em nossos dispositivos ultramodernos. A marcha incessante da tecnologia trouxe consigo inovações que antes pareciam inimagináveis. No entanto, ao olhar para o vasto oceano de possibilidades, é difícil não perceber um empobrecimento musical, um vazio que as antigas formas de apreciação musical preenchiam com tanta elegância. 

Não se trata aqui de menosprezar o gosto musical alheio ou de afirmar que o passado é superior ao presente. Cada época tem sua riqueza e singularidade. No entanto, ao olhar para o panorama atual, é difícil não sentir um vazio que vai além da melodia. Parece que, à medida que a tecnologia avança, a essência artística se perde. Não é uma crítica aos gostos atuais, pois a diversidade musical é vasta e individual. Cada geração tem suas pérolas sonoras, a diferença reside no conteúdo em si. 



Antes, as canções contavam histórias, expressavam emoções genuínas e muitas vezes refletiam as complexidades da sociedade. Hoje, por vezes, nos deparamos com letras que flutuam na superfície, desprovidas da profundidade que a música, em sua essência, é capaz de proporcionar, vivemos no período da repetição, o tum tum prevalece, o barulho constante... 



A evolução tecnológica trouxe facilidade, mas será que também diluiu a essência da experiência musical? A resposta é individual, mas é inegável que a acessibilidade não necessariamente se traduz em qualidade. O prazer de vasculhar vinis, com cuidado colocar para girar no prato da radiola, cuidar das fitas cassete e sintonizar frequências no rádio AM/FM criava uma conexão sensível entre o ouvinte e a música. A melodia da vida contemporânea, impulsionada pela comodidade tecnológica, parece muitas vezes desprovida de profundidade. 



A diversidade que outrora florescia nos ritmos e nas letras parece submeter-se à busca incessante pela novidade instantânea. O imediatismo da era digital, embora traga benefícios, parece ter roubado algo essencial: a conexão emocional com a música. Ao olhar para o futuro, paira a incerteza sobre a direção que a música tomará. À medida que avançamos, é uma reflexão inevitável: será que a tendência é de melhora ou de um empobrecimento musical ainda maior? A resposta, talvez, esteja oculta nas notas de uma melodia que ainda não foi tocada. E, assim, enquanto as playlists se renovam em um piscar de olhos e os algoritmos ditam as preferências, fica a inquietação. 



Será que, em meio a todo esse avanço, não estamos perdendo a essência da expressão artística? A tecnologia evolui, mas a qualidade do conteúdo parece regredir. Talvez, ao olhar para o passado, possamos encontrar inspiração para moldar um futuro musical mais rico em importância. O desafio está lançado: equilibrar a evolução tecnológica com a preservação da alma da música, para que a trilha sonora da vida continue a ecoar com autenticidade e significado.





segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

As máquinas de beneficiar arroz




Uma viagem no tempo nos leva a um passado não tão distante, mas repleto de memórias que moldaram a identidade das cidades do interior, Rio Verde é uma delas, aqui também essa história aconteceu. Nesse contexto, as antigas máquinas de beneficiar arroz desempenharam um papel fundamental no comércio local, tornando-se parte integrante da paisagem urbana ao longo das décadas.

O responsável pelo invento das Máquinas de beneficiar arroz foi o engenheiro mecânico, nascido no interior de São Paulo, em Piracicaba, Evaristo Conrado Engelberg. Evaristo teve a ideia inicial em 1885, enquanto trabalhava na construção de uma roda d´água, observando um grupo de escravos que trabalhava no descascamento de arroz em pilões, principal método utilizado na época. Apanhando um punhado do cereal em cascas e esfregando os grãos na mão, verificou que com a pressão, um tirava a casca do outro. Voltando imediatamente à oficina, começou a trabalhar na construção de um exótico aparelho que já estaria pronto no dia seguinte, criando assim o primeiro descascador de Arroz de cilindro horizontal. O beneficiamento do arroz consiste na retirada da casca e do farelo para a obtenção do arroz branco para o consumo.

Em Rio Verde algumas máquinas marcaram época, destaca-se a do Anésio, uma presença constante que deixou sua marca na memória da comunidade. Outras tantas compuseram esse cenário, foram muitas. Meu amigo Adval Gomes traz consigo uma tradição familiar que atravessa gerações, envolvendo a comercialização e a limpeza do arroz. Em um mundo em constante transformação, acredita-se que a máquina de Adval seja a última remanescente desse tempo em Rio Verde. Sua família, ao longo dos anos, preservou não apenas uma máquina, mas um legado de trabalho árduo e comprometimento com a qualidade.

As idas às máquinas de arroz eram uma rotina, na minha casa, também comprávamos de arroz beneficiado na hora. Minha mãe, com a sabedoria característica, sempre fazia a pergunta crucial, quando voltamos com os saquinhos de arroz na mão: "é arroz novo? O novo virá papa..."

Ao mergulhar nas lembranças, posso sentir novamente o cheiro distintivo que impregnava o ar e ouvir o característico barulho da máquina em plena atividade. Sinto como se pudesse reviver aqueles momentos ao fechar os olhos. O cheiro característico da máquina de arroz impregnava o ar, enquanto o barulho incessante criava um ambiente único e, por vezes, sufocante.

O ambiente ao redor dessas máquinas era único. Sinto novamente o cheiro característico do arroz, misturado com a poeira fina que pairava no ar enquanto a máquina trabalhava incansavelmente. O barulho constante, um murmúrio mecânico que enchia o ambiente, criava uma atmosfera sufocante. As antigas máquinas de arroz podem ter sido substituídas por tecnologias mais modernas, mas a nostalgia daqueles dias ainda ecoa, mantendo viva a essência de uma era passada.

Assim, essa viagem no tempo nos conecta não apenas às máquinas de arroz do passado, mas também às histórias e pessoas que as tornaram tão significativas. Em um mundo em constante evolução, é importante lembrar e preservar essas raízes, que contribuíram para moldar a identidade única de lugares como Rio Verde.

Ao refletir sobre essas experiências, percebo como essas máquinas eram mais do que meros instrumentos de trabalho; eram elos que conectavam comunidades, preservando sabores, aromas e memórias de uma época que, embora tenha passado, permanece viva em nossa nostalgia.

Uma viagem no tempo, relembrando as máquinas de arroz de Rio Verde, é uma jornada que nos leva não apenas ao passado, mas à essência de uma comunidade que se reinventa continuamente enquanto honra suas raízes.





segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

A Praça da Matriz


 


No ano de 1973, um marco foi erguido em nossa cidade. No dia 5 de agosto, no dia em que se comemora o aniversário do município, a Praça da Matriz, que testemunhou inúmeras transformações ao longo dos anos, foi oficialmente entregue à população. Naqueles tempos, eu costumava passar por lá frequentemente, acompanhado pela nossa mãe, especialmente quando ela nos levava ao consultório médico que tinha uma porta de madeira redonda, localizado na rua Coronel Vaiano, o nosso pediatra Dr. Lenildo Martins.

Enquanto a praça ganhava forma, a marcenaria nos fundos do Colégio Martins Borges, onde nosso pai trabalhava, naqueles tempos era conhecida como a oficina do Ginásio, boas recordações desse lugar. Por isso, nossos caminhos cruzavam muitas vezes, a casa onde morávamos ficava na rua Afonso Ferreira, por ali passávamos com frequência.

O tempo foi passando, nós crescemos, e as árvores que foram plantadas na praça foram, ao longo dos anos, retiradas, cortadas ou tombaram. A praça, que um dia foi o cenário de encantamento e beleza, agora guarda apenas memórias do passado. No canto mais alto da praça, na esquina da Rua Costa Gomes com Itagiba Gonzaga Jaime, naqueles tempos, na magia de menino sonhador, ali era o nosso “shopping” da época, a Casa das Louças, um mundo mágico de fantasia e faz de contas, de alguma forma, nos conduzia ao mundo de encanto com os seus brinquedos e as maravilhas de um mundo das surpresas, de soldadinhos, carrinhos, bolas, bonecas e bailarina.


Cinquenta anos se passaram desde então. Observando fotografias antigas, percebi como a praça mudou, como o tempo deixou sua marca. O jeito dela, o aroma característico, tudo se transformou. Ao contemplar uma foto, sinto falta de alguém, a ausência de algo que não pode ser capturado pela lente da câmera, apenas pela memória e as lembranças.


A Praça da Matriz é agora um testemunho de meio século de mudanças, evoluções e lembranças. Cada detalhe, cada transformação, conta a história do tempo que passou e das vidas que foram vividas ao seu redor. O passado se desbota, mas as memórias persistem, ancoradas naquele lugar que, mesmo transformado, continua a ser uma parte permanente de nossa trajetória.