Às vezes me pego mergulhado em lembranças. Hoje,
revi a mim mesmo, antes dos 20 anos, caminhando pelas ruas de São Paulo. Havia
uma beleza única em andar pela cidade — cada esquina era uma descoberta, cada
rua, um convite. Meu retorno ao grande centro me revelava novos lugares, novas
possibilidades. Eram descobertas constantes: sensações, paisagens, emoções. A
São Paulo do fim dos anos 80 tinha suas próprias magias.
Lembro-me de passar
pelo lado direito da Rua Direita… As chuvas repentinas, o frio inesperado que
insistia em aparecer. A jaqueta de couro, o All Star nos pés, os cigarros Free
no bolso — marcas de uma identidade em construção. E ecoava em mim a voz de
Belchior: “Eu sou apenas um rapaz
latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do
interior...” (Rio Verde, Goiás…).
A Bela Vista pulsava
em cafés nas esquinas, padarias com aromas que chamavam de longe. Conversas
intermináveis na calçada da Enéas, madrugada adentro, sem pressa de ver o tempo
passar. As ladeiras que pareciam não ter fim, a espera no ponto da Maria
Carlota, da Radial, da Marginal… A Tobiaras na Esperança no sobe e desce e o número
nunca aparece, essa expressão também valia para a Embiruçu... A
banca de jornal era um templo: livros, discos, revistas, pequenas janelas para
o mundo. E os shows no coreto, no vão livre, faziam o coração acelerar ao
compasso da cidade.
O cheiro da feira,
de terça a domingo, era um espetáculo à parte: o peixeiro, o bucheiro, as
bugigangas e quinquilharias. Frutas em abundância — pêssegos, limões, caquis,
mamões, laranjas, mexericas, bananas, nectarinas. E, claro, o pastel de feira,
sempre especial, de preferência o de pizza. Lembro até hoje do aroma:
inconfundível, inesquecível. O chope na Deliciosa, o pão na Requinte, a baguete
com sardela… pequenos rituais da juventude.
A Paulista acendia seus faróis, anunciando a
chegada da noite. A Ipiranga, no cruzar das esquinas, era o ponto onde a
história se misturava à rotina. Eu, do vidro do ônibus na Amador ou na pressa
do metrô, observava a vida passar diante dos olhos, no vai e vem dos
desconhecidos. E havia também a menina bonita do último banco do ônibus A.E.
Carvalho/República, que eu esperava na Itinguçu só para vê-la… O tempo seguiu o
seu curso, mas a vontade de voltar àqueles dias nunca me deixou.
