Não sou devoto da religião católica, trago comigo os preceitos da Doutrina Espírita – kardecista por orientação de
meu avô e de meu pai, que me iniciaram nesse caminho desde cedo. Sou kardecista
por herança de afeto, por vínculos que vão além da crença: são memórias e
ensinamentos passados de geração em geração. Sou contador de histórias, amante
da cultura e guardião das lembranças que mantêm viva a chama da tradição.
Trago comigo o respeito as tradições e as religiões.
Hoje,
15 de agosto, celebra-se o Dia de Nossa Senhora da Abadia. Essa data me
transporta ao passado, às lembranças da infância vivida numa fazenda, guardadas
no baú das recordações. A memória me leva pela mão até o tempo em que eu era
menino, na fazenda escondida no coração do cerrado. Era um lugar distante,
muitas léguas adentro, para além do horizonte da terra vermelha do sertão. A
fazenda ficava “pras bandas” do Caiapó, a vinte e duas léguas, passando por uma
pequena corrutela que, na época, mal se firmava: Montividiu, que no meu tempo
era pequena, mas hoje floresce como cidade de lavoura e progresso – hoje
próspera no agronegócio.
E, como na canção que diz “vem andar e voa, vem
andar e voa...”, eu “voava” na carroceria do caminhão, cabelo ao vento, olhos
brilhando, a caminho de uma festa que cheirava a memória, festa que, até hoje,
é símbolo de tradição.
Era agosto. As festas de Montividiu são carregadas
de história e fé. Celebram Nossa Senhora D’Abadia, padroeira da cidade, num
costume que atravessa quase 150 anos. A cidade se vestia de devoção, celebrando
a padroeira que protege o povo e o campo. Uma mistura de reza e alegria, de
cultura e sabor, de música e abraços.
O início dessa tradição remonta aos tempos em que a
família Peres já vivia no Chapadão. Com a chegada de Carlos Barromeu Peres, que
se estabeleceu na Fazenda da Tapera, cresceu também a devoção à Santa. Os
moradores reuniam-se para rezar e pedir proteção. Em agradecimento às bênçãos
recebidas, decidiram que, todos os anos, no dia 15 de agosto, realizariam uma
grande homenagem à padroeira.
Eu, ainda menino, participei de algumas dessas
festas, onde o cheiro da comida se confundia com o som da sanfona. Eram
celebrações movimentadas, cheias de gente e sabor. A última vez foi em 2010,
quando trabalhava como jornalista na equipe do deputado Padre Ferreira. Estava
com meu amigo Wilson Mossoró. Enquanto o deputado cumprimentava os presentes,
nós entrávamos pela cozinha – e que cozinha! Tachos no fogareiro desde a
madrugada, arroz soltinho, feijão amassado na roseta, vinagrete colorido,
macarrão grosso e almôndegas que pareciam pesar uns 300 gramas cada.
Tradição é assim: não se perde, apenas se
fortalece, passando de geração em geração, mantendo viva a fé e a cultura de um
povo. A tradição não se apaga, se acende; não se dispersa, se guarda. É um fio
que nos liga ao passado e que costura no presente a fé e a cultura, para que as
futuras gerações nunca esqueçam de onde vieram.


