Bastou olhar a foto para ser transportado — sem aviso — aos anos 70 e 80, no coração de uma São Paulo vibrante e nostálgica. O tempo pareceu dissolver, e os sentidos tomaram conta: o cheiro doce e gaseificado da Tubaína e da Gini, o tilintar das tampinhas rolando pelo chão, o baleiro girando devagar no balcão, o tabuleiro à espera do próximo freguês, a mesa de sinuca sempre ocupada ao fundo.

No ar, pairava uma mistura inconfundível: cheiro de cigarro, salgado frito e aquele aroma clássico dos bares antigos — limão espremido, rabo de galo no copo americano, chão encerado, vozes cruzadas. Era o cheiro da cidade.



Os botecos tradicionais de São Paulo não eram apenas bares — eram pequenos templos da convivência, guardiões de uma cultura boêmia que atravessava gerações. Muitos ainda estão de pé, com mais de meio século de histórias em suas paredes de azulejo, guardando a alma de uma cidade que sabia valorizar seus rituais.

O banco giratório fazia parte do cenário, assim como o cafezinho forte, servido em xícara de vidro, e o pingado obrigatório das manhãs. Meus tios — João, Moacir, Gilberto, José, Cláudio e Lando — eram frequentadores fiéis. Não iam só pela bebida, mas pela conversa, pelas discussões animadas sobre política, futebol, novela e vida. O bar era onde se vivia intensamente. Ria-se alto, brigava-se às vezes, mas sempre havia reconciliação — porque ali, todos pertenciam.




E se a conversa alimentava a alma, o cardápio cuidava do resto. Batata frita crocante, bolinho de carne, batata na conserva do vidro, bacalhau ou mandioca, pastéis dourados e sequinhos, espetinhos na brasa, sardinha e azeitona,  calabresa acebolada, porções de carne com batata e queijo derretido. Uma ode à simplicidade deliciosa.

Os clássicos da cozinha paulistana marcavam presença: virado à paulista, bife à parmegiana, feijoada fumegante, picadinho bem temperado e aquele torresmo que estalava ao morder. E o sagrado ritual do "PF" tinha seu calendário imutável:

• Segunda-feira: Virado à Paulista

• Terça-feira: Bife à Rolê

• Quarta-feira: Feijoada

• Quinta-feira: Macarronada — espaguete, lasanha, nhoque ou penne

• Sexta-feira: Peixe • Sábado: Feijoada outra vez — porque tradição boa merece repeteco

Mais do que lugares para beber, os botecos paulistanos eram redutos de memória. Cada detalhe — o balcão gasto, os cartazes desbotados, os garçons que sabiam o nome e o gosto de cada cliente — contava um pedaço da história da cidade.

Esses bares, com sua aura inconfundível, ainda vivem em mim. São parte de uma São Paulo que pulsa afeto, lembrança e sabor. Uma São Paulo que resiste — e que, com uma simples foto, ainda é capaz de me fazer voltar para casa.