Por Fábio
Trancolin
Rio Verde completa 177 anos. Não
nasci aqui — mas foi aqui que a vida me plantou — e talvez por isso meu olhar
sempre tenha sido de encantamento. Cheguei em 1970. Naquele tempo, você, cidade
pequena, completava seus 122 anos no 5 de agosto. No início de setembro, eu
completava 2... Minhas lembranças vêm lá dos meus 4, 5 anos. Meu pai? Ah, esse sim era seu filho legítimo — foi ele quem nos apresentou a
você. Com ele aprendi a chamar tuas ruas de casa.
Cresci na parte baixa da cidade, onde tudo
acontecia. Naquela época, os limites de Rio Verde ainda eram acanhados, não
iam muito longe — dali do Córrego do Sapo para frente, era só o
cerrado tomando conta. Para além do córrego, era só mato. No Barrinha, o
córrego corria livre, cercado pela vegetação farta, da nascente até a foz...
até o momento em que se encontrava com o “sapo” e o abraçava.
A Vila Carolina, a Vila Amália
surgiam discretas. Lá no alto, escondida entre as curvas da cidade,
ficava a pequena e encravada Renovação, com suas ruas estreitas — morei lá,
como morei em tantos outros cantos... O Parque Bandeirantes
ainda dava seus primeiros passos. A Vila Maria, ah... essa parecia tão
distante. O Bairro Popular — chamado, com pouco-caso, com desdém de “Vilinha” —
e a Vila Borges terminavam no “Pitico”. O Jardim América e o Jardim Goiás mal
passavam de algumas quadras — grandes, sim, mas pouco habitadas, pés de mamonas,
lobeiras e carrapichos... Foi assim que eu te conheci, Rio Verde.
Lembro bem do tempo em que o céu
anunciava a primavera com revoadas de tanajuras. Os quintais eram largos,
frutíferos. Os portões viviam abertos — e isso não era descuido, era confiança.
Tinha fruta em abundância de todo tipo: manga, jabuticaba, amora, mexerica,
cajá, caju, goiaba... tudo brotava com fartura, como se a natureza soubesse da
alegria que era ser criança ali. O chão era de cascalho, e o asfalto, presente
em poucas ruas, ainda era um sonho distante em tantas outras.
Nas escolas, os alunos de calça
caqui e camisa branca faziam fila para rezar e cantar o hino. As roupas no
varal “quaravam” ao sol. Os portões abertos, as crianças soltas, os jogos
livres, os risos... O coração era leve, generosidade
estava mais presente, tudo se acendia com naturalidade. Tudo era simples... Que
saudade dos 'Jogos Abertos'!
Hoje, Rio Verde é outra. Tem
outra cara... e é cara. Mais alta, mais larga, mais cheia de pressa. Cresceu,
expandiu-se, transformou-se... Foi além do que os olhos de 1970 poderiam
imaginar. Mas, para mim, aqui dentro, ela ainda é aquela cidade da minha
infância. Ela ainda guarda o cheiro da terra molhada, o gosto da fruta colhida
no pé, fruta orvalhada... o som das vozes que ecoavam livres pelas calçadas. Lá
dentro, bem no fundo, aquela cidade da minha infância ainda vive — escondida
nos cheiros, nos nomes de ruas que o tempo quase apagou (Douradinho, Lage), nos
sons que o vento insiste em trazer de volta.
Parabéns, Rio Verde, pelos seus
177 anos. E obrigado por ter me adotado, por
ter sido cenário da minha infância, e por me ensinar que “pertencer” vai muito
além do lugar onde nascemos. E eu completo contigo um punhado de memórias que o
tempo não leva.

