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segunda-feira, 29 de setembro de 2025

A florada da jabuticaba - Saudade dos quintais.



As narinas se abrem à lembrança do tempo em que o vento trazia o perfume da florada da jabuticaba — um cheiro convidativo, que me conduz, sem pedir licença, de volta à infância. Era setembro, depois das chuvas de primavera, e os quintais se enchiam de aromas e sabores.

Naquele tempo, os quintais eram grandes, generosos. Havia neles um respeito silencioso pelas árvores; não se cortava tanto, não se cedia tão fácil ao concreto. O cimento ainda não sabia engolir memórias. Jabuticabeiras, goiabeiras e mangueiras se espalhavam com fartura, ao lado do cajá-manga e da pitanga, do tamarindo, das laranjeiras e dos limoeiros. Tinha ainda o cajueiro, com seu perfume adocicado, e o pé de amora, que tingia de roxo as mãos e os sorrisos das crianças.

Morei em quintais assim, generosos. Lembro-me especialmente de uma casa no final dos anos 70, um casarão de portas e janelas vermelhas, feitas de madeira maciça. No quintal, as jabuticabeiras viviam carregadas, e as goiabeiras insistiam em oferecer frutos doces mesmo sem cuidados. As casas vizinhas também guardavam seus tesouros: mangueiras de troncos imensos, que sombreavam as tardes quentes. O quintal era um pedaço da vida — simples, alegre, abundante.




Na minha estante guardo O Meu Pé de Laranja Lima. Mais do que uma história, ele é memória de um tempo em que quintais eram refúgios. Vi o filme, assisti à novela dos anos 80, e ainda me dói a cena em que arrancam o pé de Zezé para dar lugar a uma avenida. Aquele quintal imenso e frutífero foi soterrado pelo progresso, como tantos outros.


Assim também aconteceu com os quintais da minha infância: cederam ao concreto, às kitnetes, à pressa do progresso. E cada árvore que tombava parecia levar consigo um pedaço da nossa inocência.

Mas, vez ou outra, basta o cheiro da florada da jabuticaba para me devolver tudo: o quintal, os frutos, as tardes de primavera... e a saudade de um tempo em que a vida parecia caber inteira debaixo de uma sombra frondosa.

 






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