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quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Quando o tempo tinha outro ritmo


Houve um tempo em que a vida corria mais devagar, e os pequenos acidentes do cotidiano pareciam tragédias irreparáveis. Hoje, revisitados pela memória, brilham como joias guardadas no fundo de uma gaveta antiga.

Uma ficha, duas, três. Era o drama de ver as fichas escorregarem no orelhão e a ligação se interromper no meio da conversa. Silêncio. Acabou. O mundo despencava ali, no barulho seco da linha cortada. O tum-tum-tum soava mais cruel do que qualquer despedida.


O álbum estava incompleto; faltava apenas uma figurinha. Ninguém tinha para trocar, ela não saía, e o buraco permanecia lá, vazio sem ela.
O tempo passou, os pacotinhos já não chegavam mais, as trocas se desfizeram junto com a infância, e o buraco ficou ali, guardado na memória como uma saudade.


Riscava justamente o melhor lado LP, houve um tempo em que se ouvia o Lado A e o Lado B. O disco girava, e cada estalo era uma cicatriz na canção — um desastre inevitável gravado para sempre no vinil, mesmo esfregando álcool ou perfume na esperança de apagar o risco — que não saía; o dano estava gravado. Tive alguns episódios assim, mas um me marcou: o LP ao vivo do Roupa Nova. Justo no lado B, na música “Volta pra mim”, um risco profundo. A frustração foi tanta quebrei o disco. Depois, com a ansiedade de quem precisa recuperar um pedaço da própria memória, saí em busca de outro exemplar para comprar.




Na máquina de escrever, o suplício vinha no fim da página: datilografar linha após linha, até que, na última palavra, um deslize. Sem fita corretiva, só restava recomeçar. Havia nisso uma lição de humildade: reescrever é também aprender a perder.

Gravar músicas do rádio era um aprendizado de paciência: o dedo suspenso sobre o botão REC, na espera da melodia sonhada. Um exercício de fé. Mas, quando enfim começava, lá vinha o locutor com sua voz impostada: “dez e quarenta e cinco” — e tudo se perdia. Pior era quando a canção acabava e ninguém dizia o nome do cantor. E quando a fita K7 era mastigada pelo toca-fitas, o barulho do plástico engolido soava como choro.




Havia também o ritual das figurinhas de chiclete. Raspar devagar, com todo cuidado, e descobrir, no fim, que o decalque havia saído incompleto, faltando justamente uma perninha do bichinho. Um aprendizado sobre a frustração, doce e amargo ao mesmo tempo. A vida dava suas aulas de imperfeição em papel de bala.

E a televisão, nosso elo com o mundo. O pai, no telhado, girando a antena, gritava de cima:
— Melhorou? Lá embaixo, a resposta soava como uma crônica doméstica:

— O 5 e o 7 estão melhores, mas o 4 e o 13 pioraram. Nunca todos os canais ficavam bons ao mesmo tempo.

Não faz tanto tempo assim. Eu vivi esses episódios no final dos anos 70 e início dos 80. Para nossos filhos, tudo isso parece pré-história. Mas nós sabemos: era vida acontecendo. Pequenos dramas, grandes histórias e uma saudade que hoje chega leve, com gosto de chiclete sem sabor, mas cheia de lembranças. Para nós, foram pedaços vivos de uma época em que a vida se escrevia com simplicidade. Pequenos dramas, grandes alegrias. E, no fundo, memórias que ainda hoje, quando retornam, nos arrancam um sorriso cúmplice com o tempo.







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