Houve um tempo em que a vida corria mais devagar, e
os pequenos acidentes do cotidiano pareciam tragédias irreparáveis. Hoje,
revisitados pela memória, brilham como joias guardadas no fundo de uma gaveta
antiga.
Uma ficha, duas, três. Era o drama de ver as fichas
escorregarem no orelhão e a ligação se interromper no meio da conversa.
Silêncio. Acabou. O mundo despencava ali, no barulho seco da linha cortada. O tum-tum-tum
soava mais cruel do que qualquer despedida.
Riscava justamente o melhor lado LP, houve um tempo em que se ouvia o Lado A e o Lado B. O disco girava, e cada estalo era uma cicatriz na canção — um desastre inevitável gravado para sempre no vinil, mesmo esfregando álcool ou perfume na esperança de apagar o risco — que não saía; o dano estava gravado. Tive alguns episódios assim, mas um me marcou: o LP ao vivo do Roupa Nova. Justo no lado B, na música “Volta pra mim”, um risco profundo. A frustração foi tanta quebrei o disco. Depois, com a ansiedade de quem precisa recuperar um pedaço da própria memória, saí em busca de outro exemplar para comprar.
Na máquina de escrever, o suplício vinha no fim da
página: datilografar linha após linha, até que, na última palavra, um deslize.
Sem fita corretiva, só restava recomeçar. Havia nisso uma lição de humildade:
reescrever é também aprender a perder.
Gravar músicas do rádio era um aprendizado
de paciência: o dedo suspenso sobre o botão REC, na espera da melodia
sonhada. Um exercício de fé. Mas, quando enfim começava, lá vinha o locutor com
sua voz impostada: “dez e quarenta e cinco” — e tudo se perdia. Pior era quando
a canção acabava e ninguém dizia o nome do cantor. E quando a fita K7 era mastigada
pelo toca-fitas, o barulho do plástico engolido soava como choro.
Havia também o ritual das figurinhas de chiclete.
Raspar devagar, com todo cuidado, e descobrir, no fim, que o decalque havia
saído incompleto, faltando justamente uma perninha do bichinho. Um aprendizado
sobre a frustração, doce e amargo ao mesmo tempo. A vida dava suas aulas de
imperfeição em papel de bala.
E a televisão, nosso elo com o mundo. O pai, no
telhado, girando a antena, gritava de cima:
— Melhorou? Lá embaixo, a resposta soava como uma crônica doméstica:
— O 5 e o 7 estão melhores, mas o 4 e o 13
pioraram. Nunca todos os canais ficavam bons ao mesmo tempo.
Não faz tanto tempo assim. Eu vivi esses episódios
no final dos anos 70 e início dos 80. Para nossos filhos, tudo isso parece
pré-história. Mas nós sabemos: era vida acontecendo. Pequenos dramas, grandes
histórias e uma saudade que hoje chega leve, com gosto de chiclete sem sabor, mas
cheia de lembranças. Para nós, foram pedaços vivos de uma época em que a vida
se escrevia com simplicidade. Pequenos dramas, grandes alegrias. E, no fundo,
memórias que ainda hoje, quando retornam, nos arrancam um sorriso cúmplice com
o tempo.
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