O cheiro de pequi volta a invadir as narinas. É
sinal de que a temporada chegou. Nas esquinas, os vendedores se instalam,
ajeitam as bancas improvisadas, e o amarelo dos frutos começa a colorir as
feiras. O aroma forte se espalha pelas ruas e, de repente, todo mundo parece se
lembrar de algo bom — da infância, do Cerrado, dos tempos de fartura.
Dizem que os primeiros a aparecer vêm de Minas
Gerais. Logo chegam os do Mato Grosso e os de Goiás — esses, ah, os goianos! —
mais carnudos, de polpa generosa e sabor marcante. O pequi é assim: não pede
licença, toma conta do ambiente com seu perfume e desperta memórias
adormecidas.
Houve um tempo em que a gente não esperava o
fruto nas feiras. Ia buscá-lo direto no Cerrado, quando o mato ainda era
verdejante e abundante. As árvores carregadas convidavam à colheita, e era uma
verdadeira festa. Juntávamos sacos, latas e mais latas, e partíamos em grupo,
rindo, conversando, lá íamos rumo ao cerrado e as terras vermelhas do sertão.
Era uma celebração da natureza e da convivência. O mesmo acontecia com o
cajuzinho — outro tesouro do mato. Eram outros tempos… tempos bons.
Os forasteiros que vieram de outras regiões, sem conhecer nossos costumes, costumavam zombar do goiano por seu amor ao fruto amarelo. Nas rodas de conversa, surgia a velha piada popular: “Quer pegar um goiano? Enche um buraco de pequi!” — brincadeira que, no fundo, só reforça o quanto o pequi faz parte da identidade e do coração do Cerrado Goiano.
Catar pequi era quase um ritual para os moradores
da região. Por todos os lados das fazendas havia o fruto — bastava escolher a
direção. Podia ser pelos lados do Montivíviu, da Aparecida do Rio Doce, das
margens do Córrego Abóbora ou do Ribeirão do Meio. Na Igrejinha da Serra, na
Capa Branca… em qualquer canto, lá estava ele: o pequi, com seus caroços
dourados, espalhando perfume e lembranças.
Lembro-me bem das visitas dos parentes que vinham de São Paulo. Eles não conheciam o fruto. Quando provaram, ficaram encantados — não apenas com o sabor, mas com o costume de ir buscá-lo no mato. A experiência de catar pequi virou história repetida até hoje nas conversas de família. Falam com saudade dos “pequis do chapadão”, como se o aroma ainda flutuasse no ar.
Certa vez, lá pros lados do Ribeirão do Meio,
adentramos a mata fechada com o pai e a mãe. Em meio à caminhada, acabamos nos
perdendo dos outros amigos. Andamos e andamos até que, de repente, chegamos a
uma casinha simples, escondida entre as árvores. Lá encontramos o senhor
Rosalvo — um típico morador da roça, atencioso e receptivo. Logo fizemos
amizade, e o pequeno sítio dele se tornou ponto de parada obrigatória em nossas
idas ao mato — um lugar de acolhimento, café fresco e prosa boa. Com o tempo,
todos os parentes de São Paulo passaram a conhecer o sítio e se encantaram com
aquele cantinho cheio de simplicidade e histórias. Seu Rosalvo era um sujeito
alegre, um “boa praça”, e um exímio contador de causos.
Nativo do Cerrado brasileiro, o pequi é uma joia da natureza. Seu nome vem do tupi e significa “casca espinhosa”. Está presente em vários estados — Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso — e é símbolo da culinária regional, especialmente nas mesas goianas e mineiras. Em Minas, Montes Claros carrega com orgulho o título de “Capital Nacional do Pequi”, celebrando há mais de trinta anos sua tradicional festa, que mistura cultura, música e o sabor único do fruto.
De sabor intenso e inconfundível — meio doce,
meio apimentado —, o pequi exige respeito. Deve ser cozido, e sua polpa, comida
com cuidado, roendo o caroço sem morder, pois os espinhos escondidos são
traiçoeiros. Mas quem aprende o jeito certo, não esquece nunca mais.
Mais do que um alimento, o pequi é parte da alma
do Cerrado. Um símbolo de resistência, sabor e memória — o gosto de um Brasil
que ainda vive dentro da gente, entre o cheiro do mato, a fumaça do fogão a
lenha e as histórias contadas ao redor da mesa. Arroz com pequi, frango com
pequi… e até pequi sozinho — é bom demais.

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