Provavelmente era o final dos anos 80… A entrada da
cidade não era bela — era simples, meio descuidada, silenciosa — e, ainda
assim, acolhedora. Havia nela um encanto discreto, desses que o tempo não
apaga, apenas disfarça. Até hoje, essa lembrança me leva de volta àqueles dias
em que a vida andava devagar: às campanhas políticas de alto-falantes e
sorrisos, às viagens pelas estradas poeirentas das cidades vizinhas, às
madrugadas em que chegávamos cansados, mas com o coração acelerado ao avistar
as primeiras luzes do lugar que chamávamos de casa. Alguns dos amigos daquela
época já não vejo mais; outros seguiram adiante, outros voltaram ao Plano Espiritual —
mas permanecem comigo, na memória das chegadas e das risadas perdidas no tempo.
Quando daqui parti, era sempre essa mesma imagem que me acolhia nas férias, cada vez que eu voltava. A cidade, ainda sonolenta, me esperava no amanhecer — o sol mal nascia, e eu
descia pela BR-452 como quem regressa ao próprio passado. Ela
tinha um perfume único — mistura de terra molhada, vento morno e saudade. Isso
era um tempo de outrora. A modernidade chegou: te mudou, me mudou também.
As ruas ganharam pressa, as fachadas mais cores,
mas o acolhimento de antes se perdeu um pouco no caminho... até o ar parece
outro. Não direi que sou nostálgico, mas confesso: em mim ainda habita a
lembrança da cidade antiga — das tardes douradas e das manhãs frescas que
cheiravam a esperança, café e biscoito de polvilho.
Teu cheiro era outro... ah, doces lembranças! O aroma das mongubas, o café fresco nas varandas, o som da infância misturado ao alvoroço das revoadas de pardais. Hoje, o cheiro da cidade é outro, e as luzes — embora mais fortes — já não têm o mesmo brilho suave da saudade. Era um tempo simples — mas dentro de mim, ele ainda amanhece, toda vez que a memória faz o caminho de volta pela estrada da BR-452.

