Páginas

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O aroma da cidade: quando a cidade ainda cheirava a café e saudade.


 


Provavelmente era o final dos anos 80… A entrada da cidade não era bela — era simples, meio descuidada, silenciosa — e, ainda assim, acolhedora. Havia nela um encanto discreto, desses que o tempo não apaga, apenas disfarça. Até hoje, essa lembrança me leva de volta àqueles dias em que a vida andava devagar: às campanhas políticas de alto-falantes e sorrisos, às viagens pelas estradas poeirentas das cidades vizinhas, às madrugadas em que chegávamos cansados, mas com o coração acelerado ao avistar as primeiras luzes do lugar que chamávamos de casa. Alguns dos amigos daquela época já não vejo mais; outros seguiram adiante, outros voltaram ao Plano Espiritual — mas permanecem comigo, na memória das chegadas e das risadas perdidas no tempo.

Quando daqui parti, era sempre essa mesma imagem que me acolhia nas férias, cada vez que eu voltava. A cidade, ainda sonolenta, me esperava no amanhecer — o sol mal nascia, e eu descia pela BR-452 como quem regressa ao próprio passado. Ela tinha um perfume único — mistura de terra molhada, vento morno e saudade. Isso era um tempo de outrora. A modernidade chegou: te mudou, me mudou também.

As ruas ganharam pressa, as fachadas mais cores, mas o acolhimento de antes se perdeu um pouco no caminho... até o ar parece outro. Não direi que sou nostálgico, mas confesso: em mim ainda habita a lembrança da cidade antiga — das tardes douradas e das manhãs frescas que cheiravam a esperança, café e biscoito de polvilho.

Teu cheiro era outro... ah, doces lembranças! O aroma das mongubas, o café fresco nas varandas, o som da infância misturado ao alvoroço das revoadas de pardais. Hoje, o cheiro da cidade é outro, e as luzes — embora mais fortes — já não têm o mesmo brilho suave da saudade. Era um tempo simples — mas dentro de mim, ele ainda amanhece, toda vez que a memória faz o caminho de volta pela estrada da BR-452.




 




Comente