Pode ser impressão minha — mas talvez não seja.
Este dezembro não está “dezembrando” como outros dezembros já dezembraram. Já
vivi muitos dezembros na vida.
Fui criança em noite de Natal, esperando um
presente simples que viria. Lembro do meu pai escondendo caminhõezinhos atrás
das placas de compensado na marcenaria para, depois, feliz, poder entregar o
presente na manhã de Natal. Já esperei presente que não veio. Já ganhei algo
que jamais imaginei ganhar. Já vivi Natal sem dinheiro e também Natal com o
saldo mais acomodado. Já presenteei alguém que ficou genuinamente feliz apenas
por ser lembrado. Já dei presente caro. Muitos aguardavam, com carinho e
dedicação, o cartão de Natal escrito à mão.
A mesa já esteve mais cheia nas noites natalinas.
Com o passar dos anos, algumas cadeiras foram ficando vazias — por tantos
motivos. Quantas vezes a piada do pavê foi repetida… Embrulhos sob a árvore,
nozes, castanhas, avelãs. Vinhos de procedência duvidosa e outros de rótulos
respeitáveis. Champanhes elitizados, outros nem tanto assim. Já vivi Natal na
roça, sem energia elétrica — mas com lembranças que seguem inesquecíveis até
hoje. Vi meias e lenços sendo dados de presente, assim como já presenciei
carros sendo presenteados. Discos e CDs também marcaram época — e, em outros
tempos, o especial de Roberto Carlos era algo que se esperava com prazer para
assistir.
Houve Natais fartos; outros em que tudo “fartou”.
Será que vai ter dinheiro para a leitoa? A gente divide. Junta gente. Vem gente
que nunca vinha. Lugar simples, onde todos cabiam. Roupa simples, aquela do dia
a dia. Em algumas noites, mesa chique, à espera da ceia que não podia ser
servida antes da hora, com talheres e louças finas. Em outras, a leitoa no
braseiro, feita num buraco no chão, gente sentada até em cima da pia, prato
esmaltado onde todos se serviam. Ali não havia frescura. Que farra boa era
aquela, em que tudo podia.
Lembro de alguém que era a própria cara do Natal.
Chegava dezembro, e a alegria reinava. O carro vermelho já sabia o caminho do
shopping. Não sei… só sei que foi assim. Ele foi. Então é Natal — e o que você
fez? O ano termina e nasce outra vez. Filas nos corredores dos hipermercados e
supermercados; na venda da esquina, compra-se o que faltou. A impaciência aparece…,
mas não adianta perder a paciência. Chester, peru, lombo e tender disputam
espaço como proteína; pêssego, nectarina... Farofa de banana com bacon, farofa
de nozes, farofa natalina — sempre a farofa. Tudo passa… uva-passa em tudo que
havia. O ano nasce. O ano termina. porque alguém decidiu que isso ou aquilo
combina...
Fui menino feliz, correndo entre os corredores
das casas de louças, embalado pelo cheiro do papel de embrulho. O perfume de
brinquedo novo, ainda na caixa, invadia as narinas. Soldadinho, indiozinho…
carrinho de controle remoto, ou o mais simples, de puxar com uma cordinha. A
bicicleta que nunca veio. O revólver de espoleta, estalo breve da infância.
Autorama, ferrorama… trilhos e pistas por onde a imaginação corria...
Roupa nova, tudo novo, crediário renovado. Sacolas da C&A, do Mappin, das Casas Bahia balançando nos braços cansados. As idas e vindas pelas galerias da Rua 24 de Maio, 7 de Abril, Xavier de Toledo, Barão de Itapetininga, São Bento — ou pelo lado direito da Rua Direita — pulsavam como coração em véspera de Natal. Era 24 de dezembro. Gente indo e vindo no metrô, passos apressados, sonhos embrulhados em papel colorido. Panetone, 13º, vinho barato ou especial, gratificação, confraternizações. Amigo secreto, sorriso aberto, abraço fraterno — e outros em que a mão se estendia enquanto o veneno escorria discreto pelo canto da boca. Faz parte. Do trabalho, da família, da vida… gente sã, gente louca — gente como a gente. Faz falta. São lembranças de outros Natais — daqueles que marcaram. Que saudade da ponta da mesa… onde reinava a alegria.

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