sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
A fazenda, amizade, o rock e a história
Fábio
Trancolin
Chegou o final de ano de
1984, reunimos na casa do Júnior para a virada. E só juntando gente, alguns
amigos, outros que nem sabíamos quem era, sabe aqueles caçadores de festas que
veem a porta aberta e vão entrando.
Virou o ano, champanhe estourando, brinde feito... Banho em alguns,
promessas feitas... E, assim vazou a madrugada... Alguns foram embora, outros
esparramaram no sofá, cadeiras, e, até no chão tinha gente... Alguns observaram
a aurora chegar ao ano novo...
Tínhamos decidido que na
manhã do dia seguinte, iríamos para fazenda, próxima á Lagoa do Bauzinho, onde
o resto da família do Júnior tinha passado a virada. O Nacional Expresso saía
as seis da matina, saímos correndo para não perder o ônibus. Ao chegar à Praça
Rodrigues de Mendonça (a praça atrás da Igreja São Sebastião) as garotas
montaram uma estratégia, a Eliana, Rosângela e a Raquel ficaram na espera de
alguma carona, apareceram dois “carinhas” num Corcel II, e elas pediram para
parar, eles se ofereceram para levá-las na rodoviária, elas gritaram, podem
vir, e saímos de trás da árvore, eu, Júnior, Isaac Pires e o João Batista (o
amigo que todos chamavam de Ki-suco), fazer o quê, apertamos os nove no Corcel,
e lá fomos nós... Descemos na BR-452 e fomos caminhando pelo cerrado, até
encontrarmos o Leonardo com o velho TL. Todos dentro do possante, e lá fomos
seguindo o caminho do sol.
Chegamos à sede,
felicidade geral, já estavam nos esperando para passarmos o dia, Seu João, Dona
Deolinda, a Edilamar e o Adailton, Ronaldo, seu Joaquim carinhosamente chamado
de “Risada” e o Gilmarzinho. Era uma terça-feira, então, seria só aquele dia na
roça, fogão aceso desde o amanhecer... Almoço da Dona Deolinda, tudo de bom. O
churrasco começou a ser preparado. No fundo do quintal, tinha um pé de limão
galego e eu me tornei um especialista em caipirinha (o Leo adorava). O dia foi
passando, final se aproximando, hora de voltarmos para a cidade. O Léo me fez
uma pergunta, “você tem algo pra fazer lá?” As tuas aulas ainda não começaram,
fica aí... E porque não, pensei e decidi que iria ficar... Eles avisaram lá em
casa, e, assim, fiquei!
No dia seguinte, cinco da manhã, antes do sol
aparecer o Léo, ‘Ki-suco’ e o ‘Risada ‘ estavam de pé no curral
tirando leite. Eu acordava lá pelas seis, e fazia os afazeres da casa. A sede
da fazenda era uma bela casa grande, sofisticada para roça, tinha energia, água
encanada. TV, aparelho de som. Eu acordava e ligava a TV que naquela época
antes de entrar no ar ficava com aquelas faixas e tocava músicas, tem três que
não saem da memória, todos os dias tocava. ‘I Just called to say I Love You’ Steve Wonder,
‘Sobradinho ‘ Sá & Guarabira, e ‘Chuva de Prata’ Gal Costa. Lá pelas oito, vinham os
três do curral com o leite tirado, a maior parte era para fabricação de queijo.
O soro da sobra era misturado com farelo e alimentava os porcos. Também tinha
uma criação de carneiros, que ‘batizamos’ ou “homenageamos” celebridades. Tinha
o “Miro”, “Elba Ramalho”, “Alcione”, “Djavan”, “Alceu Valença” e a “Gal”...
Alimentávamos a criação, partíamos para fazer o almoço (tarefa do Léo, ele
conduzia as panelas), nos ficávamos no suporte. Como não poderia faltar a minha
famosa caipirinha, colhia o limão no pé, e todos os dias, tinha um copo.
Depois do almoço alguns afazeres e, também, o
momento do descanso, ficávamos jogando conversa fora, nas cadeiras da varanda,
e lá pelas quatro da tarde, íamos apartar as vacas, pegávamos o “Lambari” o
cavalo branco da roça, só tinha ele (morreu alvejado por uma bala perdida,
tempos depois), as cachorras também iam, a Susie e a Babi. O gado guardado,
apartado e tratado. Teve um período que um cidadão deixou por lá 300 cabeças de
novilhas, cuidávamos, ainda bem que foi por pouco tempo, dava trabalho. No final
da tarde era a hora da recreação, jogava-se ‘Malha’. (é
um jogo onde se lançam discos de metal em direção a um pino com a intenção de
derrubá-lo e/ou deixar a malha o mais próximo possível deste pino). O Ki-suco roubava a cena, não pelo que jogava
e, sim belas ‘besteiras’ que ele inventava. Depois, eu e o Léo sentávamos para
jogar caixeta, (o Léo ainda tem o caderno onde ele anotava as partidas, o
placar favorável a ele, de cada dez, eu perdia umas oito, ele jogava bem...).
Certo dia estava escutando música, e o “Risada” me
perguntou se eu já tinha ouvido os ‘Carreirinhos’. Não, não conheço, respondi. Ele me disse, eles
são bons, mas eles cantam muito rápido, eu acho que eles ficam ‘cansadinhos’
quando param, disse ele. Foi o ‘Juquinha’ (essa era a maneira que ele chamava o
Júnior) que mostrou, quando ele aparecer por aqui pede para ele te mostrar.
Quando o Júnior apareceu por lá, eu perguntei quem eram os ‘Carrerinhos’?
Ele me mostrou... Ele colocava um LP do Tião Carreiro e Pardinho em alta
rotação, e falava para o “coitado” que eram os filhos deles. Que maldade! E
ainda pediu que eu não revelasse o segredo. Muita sacanagem...
Hora da janta, fogão aceso e o aroma de fim de tarde
invadia o ambiente, o Leonardo cozinhava muito bem, todos os filhos do Seu João
e Dona Deolinda dominavam a arte da culinária. À noite, na varanda, cada um com
seu cigarro aceso e as besteiras fluíam, eu fazia poema para a lua (em
homenagem a uma determinada pessoa), o Ki-suco sempre tinha uma novidade e uma
‘molecagem’. Na hora de dormir, o seu Joaquim tinha um quartinho, e para lá se
dirigia para ouvir o rádio de pilha e fumar o cigarro de palha (nada cheiroso).
E nós ficávamos num quarto, com duas camas e um colchão no chão, a casa era
grande, porém só naquele quarto tinha o rádio sintonizado na ‘Mundial’ do Rio
de Janeiro, que nós ouvíamos até depois da meia-noite, e muita conversa, certa
noite ao tocar ‘I can wait forever’ Air Supply, aconteceu algo, que o Léo,
todas as vezes que me vê, faz questão de relembrar... O nome de alguém, escrito
com bosta de vaca, na porteira que também marcou a minha passagem por lá é
sempre lembrado por ele... Antes de dormir, cada um fumava o seu cigarro e
jogava no canto do quarto, porém, teve um dia que por descuido, eu joguei um
lençol naquele canto, as ‘bitucas’ foram arremessadas como sempre no
mesmo lugar, pegou fogo, foi uma fumaceira danada, quase que eu causei um
estrago. O lençol não deu para aproveitar, perda total.
Um fato que aconteceu, quando contado, nos traz
muitas risadas, mas, no dia foi muito doloroso (para o Léo é claro). Colocamos
um novilho no curral, bicho arredio, nervoso e estressado. O Léo laçou o
“brutu” com uma corda de nylon e passou pela cintura, pois o animal era de uma
força tamanha. Nesse momento, entra o Ki-suco no curral, com um saco de aniagem
em volta do corpo e de chapéu, parecia um espantalho, e gritava que ele era o ‘Etíope
sul africano’ ou o ‘Sul coreano’ (não sabíamos de onde ele tirava
essas maluquices) que veio dominar o animal. O ‘nelore’ quando viu aquela
figura que vinha em sua direção, desembestou a correr e a puxar o Leonardo que
estava de bermuda, a corda desceu cintura abaixo e passou por trás dos joelhos,
queimando a perna dele... Foram muitos dias de sofrimento para ele, a pele
ficou em ‘carne viva’... Hoje, rimos de tudo isso, mas, naqueles dias não teve
graça nenhuma.
Outra coisa que marcou, foram algumas pintas que
começaram a sair no meu corpo, estava todo marcado. Na análise do Leonardo, era
problema no “fígado”, excesso de caipirinha e cerveja, então, fui proibido de
ingerir bebida alcoólica, porém elas continuavam a aparecer e crescer, eu tive
então que vir à cidade para ser examinado por um médico. Os exames foram
feitos, e foi constatado que era alergia da banana-ouro que eu comi quase um
cacho, dúvidas esclarecidas, voltei para fazenda. E a farra continuou. Num
período que marcou a história, tanto da música quanto da politica nós estávamos
no mato, mas conectados (a palavra certa seria ligados). No dia 15 de janeiro,
o Tancredo Neves vencia Paulo Maluf no colégio eleitoral pelo voto indireto e
se tornava presidente. E o Rock Rio entrava para história com um dos grandes
eventos da década de 80. Naquele dia fizemos a maior festa na roça. E, nesse
dia, nasceu o João Neto, o filho da Edilamar e do Adailton.
Dois meses depois de férias na fazenda, tive que
voltar. Mas, foi algo que marcou tanto, que é como se estivesse sentido o
cheiro do almoço que o Léo caprichosamente fazia. O curral, o rego d’água, as
lagoas e a estradinha que vinha da BR. Quando a “banana” da energia caía, e
tínhamos que esperar o técnico que vinha da Maurilândia para levantar a
“banana”... E foram várias, as vezes que isso aconteceu. O João “Anta”, vizinho
que vinha jogar truco. E lembrando o rego d’água e as lagoas, certa vez o Seu
Joaquim foi pescar e trouxe algumas traíras, chegou todo feliz com o pescado. E
me mostrou, e fez questão de falar da maior e o trabalho que deu... E eu fui
limpar e preparar, estava lavando e a força da água, o peixe escorregadio, ele
foi por água abaixo... Eu saí correndo, e perdi a maior, depois fui
apalpando... E consegui encontrar... Já pensou se eu perco logo essa... Parece
coisa de mentiroso, mas, foi isso que aconteceu, “repesquei” a “dita”. E por
falar em pescaria, o Jairinho apareceu por lá e ficou por alguns dias, era o
pescador oficial, todos os dias no final da tarde saíam os dois, ele e o
‘Risada’ iam à busca das lagoas, e retornavam com a vasilha cheia de lambaris
que faziam alegria antes da janta como tira-gosto. O Jairinho muito branco e,
debaixo daquele sol de verão, ficava vermelho, certa vez passou por lá um
amigo, o Luís Fernando, que deixou uma frase que marcou, “Uai, Leonardo quem
é aquele “pudim” que tá pescando com o ‘Risada’?”.
Numa tarde, o vizinho veio nos visitar e trouxe a
filha, uma bela morena, o Leonardo, não estava, fizemos sala para as visitas,
eu, o Divino (Tio do Leo) que também apareceu por lá, ofereci pinga, o Valmir
aceitou e para ela fiz um suco, em determinado momento, ela perguntou “e”
aquele rapaz, não está? ’ Eu e o “Divinão”, olhamos um para o outro, e respondemos,
é, o rapaz ele não está, o rapaz foi na Lagoa do Bauzinho, mas,
não demora, logo o rapaz volta... Eles foram embora e quando o Leo
chegou contamos para ele da visita, e de não termos falado o nome dele para
moça..., “mas como vocês fizeram isso, isso não se faz...” Ele não
gostou, ficou chateado...
O tempo passou, nunca mais teve um Rock Rio tão
extraordinário quanto aquele, o Tancredo ganhou e não assumiu, deram a
presidência de bandeja para o ‘dono do Maranhão’. O Léo foi embora para
Uberlândia, o Ki-suco mora em Várzea Grande no Mato Grosso, Seu Joaquim está com quase 100 anos e morando com a Dona Deolinda e o
Seu João, em Uberlândia. A Lagoa do Bauzinho até hoje não se emancipou. As
músicas eu ainda escuto, e todas as vezes que tocar, ‘Eu e Ela’, ‘Lua Nova’,
‘Caminhoneiro’ do
Roberto Carlos, e a balada do Air Supply, o pensamento voará, levando-nos a
relembrar de tudo aquilo, e mais uma vez nos emocionar com tudo aquilo que nos
fez tão bem... E do jeito que está anotado no teu caderno Leonardo, está
gravado na minha memória.
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Vem, vamos para a escola
Fábio
Trancolin
Quase na hora de ir para
escola, a mãe já chamou pra tomar banho. O pai ainda não chegou para o almoço,
geralmente ele que nos leva para aula, mas, às vezes, vamos sozinhos, eu e o
Jairinho. O perigo em ir sozinho é de encontrar o “João Barbudo” o “Pedro Biriba”
e quem sabe o “Catacavacos” e, também,
tem que ter cuidado em atravessar a Presidente Vargas. Moro na Afonso Ferreira,
no quintal tem três casas, uma é da Dona Dulina a “senhoria”, as casas são
dela, no meio do quintal tem um pé de jabuticaba. Na outra mora a Cleuza e o
João “Bafú” ele toca na banda, eles são os “Compadres” (meus pais são os
padrinhos da filha mais velha deles, a Yasmine) e tem, também, a Yasmeire. A
Dona Dulina tem dois netos o Hélio Antônio e a Eliamar; Os vizinhos do outro
lado da rua, o Eurípedes o dono do armazém da esquina, ele cria passarinhos,
tem a Dona Ana, a Santa e o Seu Joaquim e do lado direito tem o Sebastião “Batume”, ele tem uma loja de calçados na
Presidente Vargas “Calçados Freitas”. O Afonso e a Tereza moram do lado
esquerdo, com os filhos, a Márcia, Gilbertinho e o Geraldinho.
Sapataria Silva - Rua Augusta Bastos esquina Afonso Ferreira |
Está na hora de ir para a
escola, às vezes, o Paulinho e a irmã dele passam na porta e nós vamos juntos,
estudamos no Percival Xavier Rebelo (na parte da manhã e à noite é o Colégio
Martins Borges, a tarde é o primário). Na esquina do lado direito, tem a Sapataria Silva, o pai compra os nossos
sapatos lá, certa vezes ganhei um sapato salto carrapeta, era bonito. Na
esquina do lado esquerdo, funciona a Bilharbol
do Zé Roberto. Chegamos à Presidente, não encontramos com nenhum ‘maluco’, de
um lado tem a Loja Flor do Líbano do
Seu Atef e da Dona Fátima, na porta, ficam os mostruários de malas e tecidos,
do outro lado está à loja do Senhor Abrão a Casa
São Jorge. São várias lojas na presidente, da Rua Afonso Ferreira até a Rua
Avelino Faria ficam as lojas dos ‘Turcos’ (Libaneses e Palestinos) eles
movimentam o comércio da avenida e fizeram histórias... Do outro lado da
avenida, o Adejair tem o ponto de táxi São
Jorge, ele tem um opala roxo, o ponto é em frente a sorveteria do Senhor Aildo
e, ali, também, o Seu Manoel e a Dona Maria das Graças, os pais do Francisco
Canindé, têm a banca onde se encontra de tudo. Descendo, paramos para ver a Gigante do Lar, o proprietário é o Raméz
Abdallah, ali tem uma guitarra branca e vermelha (o pai disse se eu passar de
ano ele vai comprar). Do lado, está a Pensão
da Feliciana, ali atravessamos a avenida, nesse ponto a nossa cachorrinha
Gigi foi atropelada, morreu ali, um Fusca passou por cima, nesse dia, ficamos
desolados que não fomos para aula. Na esquina da Rua Professor Joaquim Pedro,
tem a Padaria do Tucho, o cheiro é
convidativo, as melhores roscas da cidade e o pudim mais gostoso que saboreei
são feitos ali. Do outro lado, a loja de embalagens Dalles.
Descemos e chegamos na
Praça da Matriz, às vezes passamos pelo meio da praça. Mas, gostamos de ir reto na Rua Costa Gomes e
passar na Casa das louças do amigo Ernesto Pagyris, as
bicicletas ficam exposta na porta, ‘Calois
e Monarks’, o cheiro de brinquedo novo é convidativo. Geralmente, damos uma
voltinha pela loja só pra ver as novidades, e pegar nos carrinhos, comprei
muitas bolinhas de gude ali. Ao lado da Casa
das louças mora o Seu João Altino, sempre sentado na porta e comendo alguma
coisa, ele adora comer. Do outro lado da rua mora o prefeito Iron Jaime do
Nascimento, ao lado, mora a irmã dele a Rita, mãe do meu amigo Neudes, ela é
doceira de ‘mão cheia’, ela quem fez o meu bolo de aniversário de cinco anos,
ele faz cada doce... Em frente da casa dela, tem a barbearia, do Seu Sebastião,
o pai traz a gente ali pra cortar o cabelo, ele passa máquina e fica igual a um
soldado reco, não gosto, mas esse é o corte. No mesmo lado da barbearia, tem
uma casa, ali mora o Pascoal e, na porta da casa dele, tem uma placa “bate
trutru”, não sei o que isso. Na esquina, fica o Mercado Velho, adoro passar
ali, na parte de dentro tem o Lourival do queijo, o Chico da verdura, tem a
banca da Lucimar, o armazém do Joaquim Cândido e a pastelaria do Brito, e o
açougue do Antero. Na parte de fora do mercado na Rua Coronel Vaiano, tem o bar
o Osvaldo, o Armazém do João Quito. Em frente, o açougue do Didi. À tarde,
quando voltamos, passamos por dentro do mercado ao lado onde ficam os frangos.
Chegamos à escola, na porta sempre encontramos com o João (ele diz que é
biônico que caiu de um avião e tem os braços de aço e uma parte da cabeça
também, ele disse que encontrou com a “Loira do banheiro”, mesmo sendo biônico
ele correu dela). Passamos pelo arco que tem na porta, gosto dali, tenho vários
amigos, o Renato, Augusto, os irmãos Roberto e Washington, Alencar, Webinho,
Hiltones, e o Francisco Canindé, têm as meninas Najáh, Samira, Lucibele,
Ariadna, Madalena, Mara e a Margarete, e tem a Carla, às vezes, nós voltamos juntos, ela
mora perto de casa, sabe ela é diferente, gosto dela...
A vice-diretora Marta e o
sininho a badalar, cara de poucos amigos na organização das filas. Sol quente,
mas ninguém entra antes de rezar, e cantar o Hino Nacional, às vezes, tem que
cantar, ‘Eu te amo, meu Brasil’ “Eu te amo meu
Brasil, eu te amo. Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil. Eu te amo
meu Brasil, eu te amo. Ninguém segura a
juventude do Brasil”. Primeiro,
os alunos da professora Odete, depois os da professora Tânia (faço parte
desses), em seguida os da Dona Maria Aparecida, e logo depois os alunos da
‘temida’ professora Ordália, finalizado com os da Dona Geusa. Na sala que
estudo, eu não consigo ver o pátio de terrão e ao fundo a marcenaria do
ginásio, onde o pai trabalha. O terror da molecada é ficar de castigo na
diretoria, ter que copiar a história da vaquinha malhada (eu já fiz). Hora do
recreio, o sininho bate, e convida a turma a sair feito ‘loucos’ a correr em
busca da quadra. Picolezeiro nos espera na porta, coco queimado, e o creme
holandês, mas também, tem o “juju de groselha” e tamarindo. Tem uma
cantina, tem coisas gostosas, porém o dinheiro é curto, quando muito um picolé.
No campo de futebol ou na quadra, não tem bola, não importa, jogamos com uma
garrafa de plástico.
Presidente Vargas - Anos dourados |
No final
da tarde, o cheiro gostoso do Café Rio
Verde sendo torrado invade a sala de aula. O cheiro de álcool do mimeógrafo
rodando as provas, também, chega até nós. O sino tocou, a aula acabou todos em
debandada feitos ‘pomba do bando’, passamos pelas escadas do fundo e vamos em
direção ao ginásio, na marcenaria, cheiro de verniz é uma delícia, cresci nesse
mundo de serragem, e na arte de trabalhar a madeira, meu pai tem a profissão do
pai do Mestre. E outros, também, fazem dessa arte o ganha pão, o Waldomiro,
Messias (Pretinho), Jefferson (Jefão), Afonso e o Nelinho. No final de tarde, é
a hora das mulheres e as crianças encherem as latas e pegar serragem que serve
para fazer fogareiro para ferver a água para lavar roupa (a maioria delas é
lavadeira) e, também, para cozinhar feijão. Ao lado o Bebé da aula de judô, tem
o tatame que é pura diversão. Ali na marcenaria tem um cômodo que mora o
Epaminondas da Silva, mais conhecido como “Negrinho da Joventina”, ele trabalha
no posto do Tércio, ele é lavador de carros, mas no passado foi um grande
goleiro, jogou no Goiás e foi sondado para jogar no Corinthians Paulista,
atendendo um pedido da mãe não foi para São Paulo.
Os
calangos verdes correm em disparadas, as tanajuras saem de suas tocas, o
Waldomiro e o Pretinho as saboreiam como tira gosto tomando aguardente no Bar
do Seu Chico (dizem eles que elas têm o gosto de amendoim torrado). O final de
tarde veio, pintou o céu que há pouco era azul anil e agora se mistura no
vermelho da poeira e o alaranjado do entardecer... E nós vamos embora, está na
hora de voltar pra casa, a mãe nos espera, sempre tem algo bom pra comer.
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
A Lagoa Santa que de santa não tinha nada...
Fábio Trancolin
As turmas
da 7ª e 8ª série do Colégio do Sol fizeram uma viagem inesquecível no ano de
1985. A galera reuniu e resolveu que faria uma excursão na semana santa,
destino Lagoa Santa. Quem estava no comando eram os professores Osmar
(História) e Agrest (Ciências). Data e local definido, começaram as reuniões
para estabelecer as regras de como seria e o que podia e o que não podia. Numa
delas, houve um desentendimento entre o Claudenir e o Roberto, o Osmar excluiu
os dois, talvez, para ali mostrar que ele estava no comando, fiquei sentido, pois
os dois eram (e são) meus amigos. Cinco de abril seria sexta-feira santa, essa
seria a data, então. Tudo organizado, ônibus contratado, porém, o Agrest teve
que se ausentar e viajar, a mãe dele não estava bem. Esse fato deixou a turma
chateada, como o professor não vai, ele que era um dos mais animado. Reunimos e
foi decidido, sem ele não tem viagem, resolvemos, então, adiar a data e, assim,
foi feito, iremos em junho, houve consenso e, assim, ficou definido.
Chegou
junho, a galera ansiosa pra viajar, não se falava em outra coisa naqueles dias.
Na noite do dia 13, uma 5ª feira o ônibus estacionou na porta do colégio. Antes
de embarcar, o Selmo, Manoel e eu fomos num bar que ficava na Presidente Vargas
para dar uma esquentada, aproveitei e
comprei um pacote de Galaxy, não era o cigarro que fumava com frequência, mas
resolvi comprar esse (Era cigarro especial pra viagem especial, como se
houvesse cigarro especial, eu pensava assim naquela época, afff...). E com as
mochilas nas costas, reunimos aos outros, que já estavam no ponto. Lista de
chamada para confirmar se todos estavam lá (e não estariam...)... Adalto,
Agrest, Ailton, Aloisio (Japonês), Antônio Jonas, Celestino, Célio, Clayton,
Edno (Baiano), Gato (não me lembro do nome dele, só o chamávamos de gato, por
ele ter os olhos verdes “‘zoio de gato”), Gerson (Cigano), Jairinho, Manoel,
Nilton César, Odair, Osmar, Selmo e o (irmão do Gato que pediu uma carona até
Itajá, mas acabou indo junto e por lá ficou). As meninas; Ana Lúcia, Aparecida,
Márcia, Mariana Emília, Marina, Marta, Lúcia Helena e a Zilma. E desses que lá
estiveram, dois já não está entre nós, o Cigano e o Baiano, voltaram para o
Plano Espiritual.
A “jardineira” pegou o caminho, BR-060, GO-184 e
240 km a percorrer... No meio da viagem alguém descobriu que o Aloisio tinha
levado uma farofa, produzida pela Dona Carmem mãe do Nakayama, exímia
cozinheira, ele iria comer sozinho, mas no meio de mais de vinte esfomeados só
deu um bocado pra cada e o Japa teve
que dividir... Ao amanhecer, estávamos lá. A casa alugada, não era bem uma
casa, chamemos de ‘tapera’, mas isso era o que menos importava, ela iria nos
abrigar naquele final de semana. As meninas definiram em que lugar ficar,
meninos de um lado, meninas do outro. Levamos muitos pães e ovos, na primeira
manhã acabaram os ovos, só o Agrest comeu meia dúzia. Cachaça tinha e tinha
muita, todas as garrafas que eram esvaziadas eram amarradas numa árvore que
tinha na porta da casa, no dia da volta, contamos o cacho que foi feito, pasmem, 49 garrafas de velho Barreiro. Também,
foi o pior frio que eu passei na minha vida, até hoje não senti um frio tão
intenso quanto aquele, e pra esquentar só pinga mesmo... Uma das garotas estava
com um batom especial e disse que era para proteger os lábios do frio, alguns
dos desavisados passaram o tal do batom, que não saía nem com reza “braba” e
era uma cor atraente, o motorista foi um dos primeiros a passar...
Os que não estão identificados é a turma de Minas que por lá
apareceu
|
Ah,
na Lagoa, naquele final de semana, só a nossa turma, e uma turma de Minas
Gerais que acampou por lá. Mas, se fomos, então, tínhamos que aproveitar e
aproveitamos. A lagoa, água quente, mas quando saia tinha que ser socorrido por
um amigo com uma toalha aberta, o vento cortava. Mulheres e homens não se
misturavam, revezavam e a cada hora o sino tocava, avisando o rodízio, à noite
era liberado, mas quem estava doido pra entrar na lagoa com um frio daqueles. À
noite, todos no bar do japonês só tínhamos esse lugar pra frequentar, isso e
mais nada, hoje a cidade é organizada, na década de 80, não era tão bem
preparada, era mais um vilarejo. “Há um
vilarejo ali. Onde areja um vento bom. Na varanda, quem descansa. Vê o
horizonte deitar no chão... Lá o tempo espera...”.
Pra
dormir, nada de cama, eram colchões e cobertores colocados no chão e aquela “montoeira”
esparramados, como um quarto estava destinado para as garotas, os meninos
ficaram com mais um quarto, sala e até na cozinha tinha gente deitada. O Célio
levou um casaco de pelo de carneiro, e colocou no canto, o irmão do Gato que
ficou de fogo todos os dias, numa noite, vomitou naquele canto e depositou
todos os dejetos no pelego do amigo Célio, pensa num “homi brabo”... Outro fato
a ser lembrado foi o Aloisio que se engraçou com uma nativa, e ela o convidou pra que ele a levasse em casa, ele
perguntou fica onde? Ela disse é ali... E lá foi o japonês acompanhar a garota
e, na alta madrugada, anda que anda e nada de chegar à casa da distinta, ele na
expectativa do que iria rolar de repente ela falou chegamos, tchau... Só restou
ele voltar sozinho com o “nunchaco” nas mãos e sendo assustado
pelos fantasmas imaginários da noite fria... O Manoel e o Selmo resolveram
atravessar o Rio Aporé a nado, só podia ser coisas de dois “sem noção”, a lagoa
a água era quente, no rio, água gelada e frio cortante. O Osmar lançou moda,
andava de cá pra lá de “sunguinha vermelha”, o Baiano estrilou com o fato e
resolveu que também iria andar igual ao professor, porém a cueca dele era
aquela que vinha em copinho e era transparente, cena “dantesca”... No almoço, íamos buscar maracujá no Mato
Grosso do Sul, atravessamos a divisa e o fruto era trazido do estado vizinho.
O domingo chegou, 16 de junho, era
dia de jogo das eliminatórias da Copa do Mundo, fomos assistir ao jogo no bar
do Japonês. Naquela época, valia a pena assistir a um jogo da Seleção, os
comandados do mestre Telê, eram todos craques: Zico, Sócrates, Junior, Falcão e
Eder e outras tantas feras, jogo difícil no Paraguai, o Brasil ganhou 2x0, gols
do Casagrande e um golaço do Zico, aquilo foi uma maravilha para o flamenguista
Agrest, ele gritava e vibrava com o gol do galinho, parecia o Galvão Bueno
gritando, é craque, é gênio! (e de fato ele era craque). Daquela turma que foi
na viagem, três casamentos saíram dali, Ailton e Aninha (hoje tem quatro
filhos), Tom Jonas e Lúcia, e o Manoel e a Marta, que até, então era noiva, mas
se encantou com o Manelão, “paixonou”’, dois anos depois casaram e estão até
hoje... Aquele foi um final de semana que entrou para história, sempre que se
encontra alguém que fez parte do passeio, tem boas lembranças e boas
risadas.
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Ah! Se as flores do caminho pudessem falar
Fábio Trancolin
“Meu
coração é de cristal, por teu amor, pode quebrar... Olhando o céu eu
recordei... A noite azul, quando de ti me apaixonei, nós dois juntinhos a
sonhar. Trocando juras ao luar...” E recordei mesmo, esse é o inicio da música
de Jerry Adriani ‘Coração de cristal’ na época dos bailinhos na minha casa,
como tocava essa música... Os pequenos compactos que, às vezes, vinham com duas
ou quatro músicas. Na minha casa, tinham vários, entre eles tinha um que quase
furou de tanto tocar, não só ele como outros tantos. Era um compacto de
Frederic François e a música era ‘Un jour
de grand soleil’.
Todos
os sábados, a turma se reunia, não tinha motivo específico, morávamos num
quintal que tinha quatro casas, numa delas morava a Dona Gasparina e, com ela,
três filhos, Marquinho, Cleusinha e a Didi (Dinair). Do outro lado do muro,
tinha o Toninho, da delegacia vinha o escrivão Siron, da marcenaria outros
tantos, e a prima Hélia e o Tio Claudio que trazia os amigos. Pronto virou
festa. O truco na mesa sempre pronta com os tentos. E, assim, na vitrola o som
no chiado da agulha varava a madrugada.
No
quintal, os vizinhos foram mudando, mas sempre estavam presentes e outros
vieram a fazer parte da comunidade da vizinhança. Veio o Divaldo e a Maria,
depois o Bira e a Lena. O Hélio e a Edileusa, também moraram no quintal. Sempre
tinha churrasco, no buraco, a costela de ripa feita na grade. E o compacto
girava... Quando o ‘Divaldão’ veio, ele trouxe uma radiola, aquela das grandes,
e os disquinhos giravam a noite inteira... Os Incríveis, Barros de Alencar,
Tina Charles, Renato e seus Blue Caps, Odair
José, Nelson Ned... “Ah! Se as flores
pudessem falar... Pra você que eu te amo... Se essas rosas pudessem pedir, para
você me amar...” As 20 mais, as 14 mais... E mais outras tantas... E o Rei
sempre presente embalava as canções nas jovens tardes de domingo. E o sertanejo
verdadeiro, também, fazia parte do repertório.
Essa mesma turma fazia as expedições pelos rios
da redondeza. As roças e quantas pamonhas foram feitas de milho roubado na
beira de estrada. Algumas galinhas também, foram adquiridas de maneiras ilícitas. Em um
desses passeios na fazenda “muito além do horizonte da terra vermelha do sertão”
voltávamos e o Jipe do Waldomiro tinha dado problemas e foi obrigado a ser
colocado no caminhão do Tio “Zuza”, e lá víamos nós do chapadão, porém numa
certa altura da estrada o Hilton resolveu conduzir o fusquinha do Célio, dos
filhos do caminhoneiro “Zuza” o “Tita” é o único que não é motorista. Podem
imaginar o que aconteceu, ele subiu no barranco, arrancou a cerca e capotou o
Fusca. Foram obrigados a fazer uma troca, desceram o Jipe e colocaram o
fusquinha na carroceria do caminhão. Dividido o pessoal, ficaram no jipe o
Waldomiro, o pai e a mãe, a Cleuzinha e a Hélia e eu, a ideia era o caminhão
seguir e não distanciar do jipe. Tudo corria bem, o caminhão foi embora e o
jipe enguiçou, parou e ali ficou. Domingo de “tardezinha” não passava ninguém,
o jipe parado...
A
noite veio, ninguém veio nos resgatar. Nada pra comer... Depois de uma
varredura pelo local, encontram essas vendas de beira de estrada que não têm
quase nada pra comer, mas a “marvada”
pinga sempre tem no estoque. Conseguiram uma lata de salsicha e um pacote de
bolacha. Encontram um trator sem ninguém, dele foi tirado óleo diesel que
alimentou o fogo para clarear a noite. No meio da madrugada, passou um trator
que nos rebocou... Na descida do Rio Verdinho, o condutor do reboque dormiu,
saiu da estrada e nos levou para passear no meio do cerrado e barranco, foi
acordado pelos berros dos desesperados. Chegamos em casa com a luz da manhã são
e salvos e mais essa história para contar.
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