“Era um dia quente de março, as janelas estavam escancaradas e, nas asas da fresca brisa primaveril, a música penetrou na aula. - Os Meninos da Rua Paulo.”
Entre os muitos livros
que tenho na minha estante, há um que brilha com um charme especial: "Os
Meninos da Rua Paulo", um clássico da literatura infantojuvenil húngara
escrito por Ferenc Molnár. Minha primeira leitura dessa obra foi em 1981,
quando eu tinha apenas 12 anos, e desde então, fui imediatamente cativado pela
história. Em pouco tempo, senti que fazia parte daquela turma de meninos,
vivendo suas aventuras e enfrentando desafios. Eu também sonhei em montar o meu
“grund”.
O livro aborda temas que
nunca saem de moda, como lealdade, coragem, amizade e rivalidade. Molnár
retrata de forma incrível a conexão das crianças com seu “grund”, como
chamam seu espaço especial. Essa palavra, que em alemão significa
"terreno", representa a essência da infância — um lugar onde regras
são criadas, amizades são formadas e ideais são defendidos com paixão. O “grund”
da Rua Paulo era chão e representava para ‘nós’ as savanas americanas, afirmava
o autor.
No capítulo II do livro,
ele descreve o que é o "grund": “O grund... ó vós, belos e sadios
estudantes da planície, aos quais basta dar um passo para vos encontrardes na
estepe imensa, sob a admirável redoma azul que se chama firmamento, vós cujos
olhos estão acostumados às grandes distâncias, aos longes, vós que não viveis
apertados entre edifícios altos, nem podeis imaginar o que é para os guris de
Budapeste um terreno baldio, um “grund”. É a sua planície, a sua estepe, o seu
reino; é o infinito, é a liberdade. Um pedacinho de terra, limitado a um dos
lados por uma cerca meio desmoronada, enquanto pelos demais lados altos muros
de edifícios o rodeiam. O "grund" da Rua Paulo também já se encontra
ocupado por um triste edifício de quatro andares, cheio de moradores, nenhum
dos quais sabe, talvez, que aquele pedacinho de terra significou a mocidade
para alguns pobres estudantes de Budapeste.”
Lançado em 1907, a
história gira em torno de um grupo de amigos que se reúnem no terreno para
brincar, e muitos deles também fazem parte da Sociedade do Betume. Eles me
lembram dos clubes secretos que formávamos na infância, cheios de regras e
companheirismo. Durante as aulas, esses amigos se unem para proteger seu
terreno contra uma gangue rival que deseja invadir e tomar conta do espaço. A
narrativa se passa em Budapeste, em março de 1889, em um bairro chamado
Józsefváros, onde a luta por um terreno vazio se transforma em uma poderosa
metáfora sobre a infância e a amizade, especialmente em um tempo em que espaços
livres se tornavam cada vez mais escassos.
O líder dos meninos da
Rua Paulo é João Boka, e entre seus amigos estão Geréb, Csele, Csónakos, Kolnay,
Barabás, Weisz, Richter, Kende, Leszik e Nemecsek, o menor do grupo. Ernesto
Nemecsek, o único soldado raso na sociedade, sente um orgulho imenso por
pertencer ao grupo, apesar de sua posição inferior. Ao longo da história, ele
demonstra lealdade e coragem, conquistando o respeito dos amigos. Os meninos
levam suas regras a sério; as leis que criaram devem ser seguidas
rigorosamente, e eles estão dispostos a defender sua coragem e honra a qualquer
custo.
Os meninos enfrentam a gangue dos camisas vermelhas, liderada por Francisco Áts, junto com os irmãos Pásztor, Szebenics e Wendauer, que tentam tomar o espaço dos meninos da Rua Paulo. A batalha vai além do físico, refletindo a luta interna que cada um deles enfrenta para se afirmar e proteger o que é seu. O “grund” se transforma em um símbolo de resistência, um espaço onde a infância é defendida com unhas e dentes, e onde cada vitória é uma celebração da amizade.
Apesar de ter sido escrita em um país isolado do mundo ocidental, principalmente devido ao seu idioma, “Os Meninos da Rua Paulo” se tornou uma das mais conhecidas obras da literatura infantojuvenil mundial. Alguns estudiosos acreditam que Molnár utilizou suas próprias memórias para compor o livro, referindo-se em dois momentos aos meninos da Rua Paulo como “nós”. Ele expressa com maestria a relação das crianças com o "grund", que é descrito ao longo do texto como sua “pátria” e “império”.
"Os Meninos da Rua
Paulo" é um encantador livro de memórias. A moral que essas crianças
transmitem é algo que nenhum adulto poderia ensinar. Essa obra transcende
fronteiras culturais e temporais, tornando-se um clássico universal. Sua
mensagem autêntica e profunda é um legado para as gerações futuras,
lembrando-nos de que, mesmo diante de desafios, as lições que essas crianças
compartilham são inigualáveis.
Escultura dos Meninos da Rua Paulo – Budapeste – Hungria
Os Meninos da Rua Paulo - Título Original: A Pál-Utcai Fiuk
Autor: Ferenc Molnár (1878-1952)
Tradução direta do húngaro por Paulo Rónai
Revista por Aurélio Buarque de Holanda