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sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Quando o silêncio morava na rua


 


Outrora, a descida dessa rua nos levava em direção à ponte do Córrego do Sapo. Foram tantas as vezes que percorremos aquelas paradas — caminhos que nos guiavam ao lago do clube ou ao riacho que descia sereno do lago e se encontrava com o córrego. Ali pescávamos lambaris, traíras e lobós.

Seguindo à esquerda, estendiam-se as chácaras, as lagoas e o cerrado. Nelas cresciam inúmeras árvores frutíferas, formando um verdadeiro pomar de cores e aromas. Entre elas, destacavam-se, algumas de paus-brasil, plantados com orgulho e esperança. Mas o progresso chegou — e elas não foram protegidas e muito menos poupadas... Assim como não poupou o  pequizeiro que adornava a praça central — também ele, indefeso, desapareceu com o tempo.

Eram outros tempos… tempos sem pressa, sem tumulto. Frutas havia por toda parte — nos quintais generosos e os portões abertos, onde o perfume da natureza parecia nos convidar a ficar um pouco mais.

Hoje, essa mesma rua perdeu o encanto que um dia teve. O antigo calçamento de paralelepípedos cedeu lugar ao asfalto sem qualidade. Lá no alto, reinam a ostentação e a falta de educação. O que antes era silêncio e encanto transformou-se em barulho — um ruído insistente que irrita e sufoca a doçura do passado.

Eram tempos de cordialidade e amizade. Tive tantos amigos que por ali viviam — alguns ainda permanecem, embora nada seja como antes. Confesso, sou nostálgico: gosto de recordar, de reviver e compartilhar as histórias que testemunhei. Ah, aqueles tempos… o som que então fazia morada hoje se perdeu, restando apenas o ruído da poluição sonora.



sexta-feira, 24 de outubro de 2025

A magia de 1985: o ano em que aceleramos a 88 milhas por hora - Delorean, rock e sonhos.


 


No dia 21 de outubro completaram-se 40 anos da chegada do DeLorean… uma ficção que ainda hoje nos transporta para o território mágico da nostalgia e da imaginação. Aquele carro prateado atravessava as telas e os sonhos, símbolo de uma época em que a criatividade acelerava a 88 milhas por hora. Era ficção, sim — mas parecia uma promessa. A promessa de um futuro brilhante, movido a esperança, ousadia e aquele espírito aventureiro que só os anos 80 sabiam cultivar. Quatro décadas depois, basta ver aquelas portas se abrindo para sentir o coração bater no ritmo da saudade.

Em 1985, eu ainda não era maior de idade. No setembro daquele ano, completei 17. Não fui ao Rock in Rio — faltava idade, e mais ainda, dinheiro. Naquele verão, fui para a fazenda passar as férias com meu amigo Leonardo. Mas, pela televisão, entre os dias 11 e 20 de janeiro, assisti ao primeiro Rock in Rio fazer história (nunca mais teve outro igual). Foram 1,4 milhão de pessoas vibrando ao som de Queen, AC/DC, Iron Maiden, Rod Stewart, Yes, Scorpions, Ozzy Osbourne e tantos outros… O palco se transformou num altar da juventude, da liberdade, da música que jamais envelhece.


No mesmo ano, o mundo se unia em um coro de solidariedade com We Are The World, e em 13 de julho de 1985, o planeta parava diante do Live Aid. Idealizado por Bob Geldof e Midge Ure, o concerto reuniu artistas lendários como Sting, Phil Collins, Bryan Ferry, Paul Young, U2, Queen e tantos outros, em um gesto grandioso de humanidade. O objetivo era nobre — arrecadar fundos para combater a fome na Etiópia —, mas o resultado foi ainda maior: uma celebração global de empatia, música e esperança. E naquele palco histórico, o Queen eternizou sua performance, talvez a mais icônica de todos os tempos, mostrando que o rock também podia mudar o mundo.

Enquanto isso, o oceano revelava um segredo guardado por 73 anos: os destroços do Titanic eram encontrados, lembrando que nenhuma história se perde para sempre. E nas pistas, o Brasil acelerava junto com seus ídolos. Eu, apaixonado por Fórmula 1, colecionava figurinhas, revistas e pôsteres. Já tinha Senna como herói. Fumava John Player Special — o cigarro da Lotus preta e dourada. Em 21 de abril, Ayrton Senna conquistava sua primeira vitória na Fórmula 1, e Emerson Fittipaldi brilhava nas 500 Milhas de Michigan — o primeiro brasileiro a vencer na Fórmula Indy. Pioneiro, como sempre.



1985 também era feito de cor e exagero. Verde-limão, cereja, laranja. Um tempo de brilho, ousadia e ritmo. Ombreiras largas, calças de cintura alta e o biquíni asa-delta dominavam as piscinas e as praias. A televisão vivia o auge com Roque Santeiro, enquanto Tetê Espíndola encantava o país com Escrito nas Estrelas — uma canção que parecia dar voz ao espírito sonhador e poético daquela década.

Nas telas, a fantasia corria solta: De Volta para o Futuro, Os Goonies, Clube dos Cinco, A Cor Púrpura, O Feitiço de Áquila, Rocky IV e Rambo 2 mostravam que heróis vinham em todas as formas — e cabiam perfeitamente dentro do nosso imaginário. Nas rádios, ecoavam hinos eternos: Take On Me, Shout, Everybody Wants to Rule the World, Careless Whisper, Like a Virgin, The Power of Love — este último, trilha sonora perfeita para o voo do DeLorean.

E no Brasil, a trilha sonora não ficava atrás: Fábio Jr. com O Que É, O Que É, Chitãozinho & Xororó com Fotografia, Roupa Nova com Dona, Baby Consuelo com Sem Pecado e Sem Juízo, Guilherme Arantes com Cheia de Charme, Dr. Silvana com Serão Extra, Herva Doce com Amante Profissional e Kiko Zambianchi com Primeiros Erros. Era impossível não cantar, não dançar, não sonhar.



O rock nacional explodia em criatividade: Legião Urbana, Titãs, RPM, Ultraje a Rigor, Kid Abelha e Cazuza lançavam álbuns que se tornariam eternos. Era o grito de uma geração aprendendo a cantar suas verdades e questionar o mundo. Lá fora, Madonna estreava sua The Virgin Tour, enquanto o a-ha lançava Hunting High and Low, trazendo o som da Noruega para os rádios do mundo inteiro. Eu me tornei fã da banda — e, em 1989, tive a oportunidade de vê-los ao vivo no estádio do Palmeiras.


1985 foi um ano que condensou tudo: música, cinema, moda, coragem, sonhos — e aquele toque de ficção que o tempo transforma em pura saudade. 
Talvez por isso o DeLorean ainda nos emocione. Ele nunca nos levou ao futuro — ele traz o passado de volta, toda vez que lembramos que já vivemos um tempo em que tudo parecia possível, e o mundo girava embalado por uma canção chamada esperança.

 



terça-feira, 21 de outubro de 2025

Sons, cheiros e lembranças de Sampa


 


Quando os anos 90 começaram, eu tinha 21 anos — e São Paulo era, ao mesmo tempo, minha casa e meu mistério. A cidade se abria diante de mim como um livro vivo, cheio de histórias sussurradas pelo vento entre os prédios. Caminhava pelas ruas sentindo cada textura, encantado com os cantos da velha Sampa: vielas e travessas, metrôs e boulevards, bares e feiras, cantinas e padarias — até os famosos “come em pé” que davam vida às esquinas. Subidas e descidas, galerias, vinis, selos e jornais… cada detalhe tinha algo a contar.

O aroma do café das padarias se misturava ao cheiro de pão quente e à fumaça dos cigarros nos bares. As vielas guardavam segredos, as travessas escondiam descobertas. No metrô, passos apressados e risos contidos; nas calçadas e nos boulevards, o cheiro do café se confundia com a música que escapava do ambiente. Cada instante parecia um fragmento de eternidade. O tempo passou. Você mudou. Eu também. Mas as lembranças continuam vivas — pulsando nas ruas por onde caminhei, no som distante de um vinil, no perfume do café, nos pequenos detalhes que só quem amou esta cidade de verdade consegue sentir.

A memória daquela São Paulo — intensa, viva, cheia de sons, cores e cheiros — permanece. Mesmo com tudo diferente, ainda sinto o coração da cidade batendo sob meus pés. Cada esquina ecoa minha juventude. Quando fecho os olhos, ouço meu passo na calçada, sinto o aroma do café no ar e sorrio sozinho, lembrando da leveza e da liberdade dos meus vinte e poucos anos, no ritmo de cada esquina, de cada instante que o tempo guardou.

 




segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Os Tempos do Pequi – Tesouro do Cerrado


 


O cheiro de pequi volta a invadir as narinas. É sinal de que a temporada chegou. Nas esquinas, os vendedores se instalam, ajeitam as bancas improvisadas, e o amarelo dos frutos começa a colorir as feiras. O aroma forte se espalha pelas ruas e, de repente, todo mundo parece se lembrar de algo bom — da infância, do Cerrado, dos tempos de fartura.

Dizem que os primeiros a aparecer vêm de Minas Gerais. Logo chegam os do Mato Grosso e os de Goiás — esses, ah, os goianos! — mais carnudos, de polpa generosa e sabor marcante. O pequi é assim: não pede licença, toma conta do ambiente com seu perfume e desperta memórias adormecidas.

Houve um tempo em que a gente não esperava o fruto nas feiras. Ia buscá-lo direto no Cerrado, quando o mato ainda era verdejante e abundante. As árvores carregadas convidavam à colheita, e era uma verdadeira festa. Juntávamos sacos, latas e mais latas, e partíamos em grupo, rindo, conversando, lá íamos rumo ao cerrado e as terras vermelhas do sertão. Era uma celebração da natureza e da convivência. O mesmo acontecia com o cajuzinho — outro tesouro do mato. Eram outros tempos… tempos bons.


Os forasteiros que vieram de outras regiões, sem conhecer nossos costumes, costumavam zombar do goiano por seu amor ao fruto amarelo. Nas rodas de conversa, surgia a velha piada popular: “Quer pegar um goiano? Enche um buraco de pequi!” — brincadeira que, no fundo, só reforça o quanto o pequi faz parte da identidade e do coração do Cerrado Goiano.

Catar pequi era quase um ritual para os moradores da região. Por todos os lados das fazendas havia o fruto — bastava escolher a direção. Podia ser pelos lados do Montivíviu, da Aparecida do Rio Doce, das margens do Córrego Abóbora ou do Ribeirão do Meio. Na Igrejinha da Serra, na Capa Branca… em qualquer canto, lá estava ele: o pequi, com seus caroços dourados, espalhando perfume e lembranças.


Lembro-me bem das visitas dos parentes que vinham de São Paulo. Eles não conheciam o fruto. Quando provaram, ficaram encantados — não apenas com o sabor, mas com o costume de ir buscá-lo no mato. A experiência de catar pequi virou história repetida até hoje nas conversas de família. Falam com saudade dos “pequis do chapadão”, como se o aroma ainda flutuasse no ar.

Certa vez, lá pros lados do Ribeirão do Meio, adentramos a mata fechada com o pai e a mãe. Em meio à caminhada, acabamos nos perdendo dos outros amigos. Andamos e andamos até que, de repente, chegamos a uma casinha simples, escondida entre as árvores. Lá encontramos o senhor Rosalvo — um típico morador da roça, atencioso e receptivo. Logo fizemos amizade, e o pequeno sítio dele se tornou ponto de parada obrigatória em nossas idas ao mato — um lugar de acolhimento, café fresco e prosa boa. Com o tempo, todos os parentes de São Paulo passaram a conhecer o sítio e se encantaram com aquele cantinho cheio de simplicidade e histórias. Seu Rosalvo era um sujeito alegre, um “boa praça”, e um exímio contador de causos.


Nativo do Cerrado brasileiro, o pequi é uma joia da natureza. Seu nome vem do tupi e significa “casca espinhosa”. Está presente em vários estados — Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso — e é símbolo da culinária regional, especialmente nas mesas goianas e mineiras. Em Minas, Montes Claros carrega com orgulho o título de “Capital Nacional do Pequi”, celebrando há mais de trinta anos sua tradicional festa, que mistura cultura, música e o sabor único do fruto.

De sabor intenso e inconfundível — meio doce, meio apimentado —, o pequi exige respeito. Deve ser cozido, e sua polpa, comida com cuidado, roendo o caroço sem morder, pois os espinhos escondidos são traiçoeiros. Mas quem aprende o jeito certo, não esquece nunca mais.

Mais do que um alimento, o pequi é parte da alma do Cerrado. Um símbolo de resistência, sabor e memória — o gosto de um Brasil que ainda vive dentro da gente, entre o cheiro do mato, a fumaça do fogão a lenha e as histórias contadas ao redor da mesa. Arroz com pequi, frango com pequi… e até pequi sozinho — é bom demais.






Árvore símbolo do cerrado, patrimônio natural — e, claro, proibida por lei de ser cortada (mas quem liga, não é mesmo?). Agora, tudo o que nos resta é a foto... uma prova viva de que um dia na Praça da Matriz existiu um pé de pequi. Hoje não “ave” mais — virou só saudade e ironia...  






sexta-feira, 3 de outubro de 2025

O sonho perdido da simplicidade - quando bastava pouco.



De repente, em meio ao barulho e à pressa da vida urbana, nasce dentro de nós um sonho de simplicidade. E nos perguntamos: será apenas ilusão? Para que tantos copos de bebida alcoólica, tantas conversas vazias? Celulares sempre conectados, olhos presos às telas...




A vida poderia ser mais leve: um teto modesto, comida simples, uma boa companhia. No fundo, é disso que precisamos. Recordo noites em casas simples, com o fogão a lenha aceso. Entre o canto dos grilos e a calma da mata, à luz de uma lamparina, aprendíamos que a felicidade cabia nas coisas mais singelas.

Pessoas simples, de fala sincera. O fogo aceso, o peixe assando, a meia caneca de cachaça passando de mão em mão. Um sabor único, um calor que vinha daquela bebida, enquanto as conversas seguiam leves e serenas. Momentos assim ficaram gravados na memória como verdadeiros tesouros.



Mas logo a vida urbana nos chama de volta: o telefone toca, alguém dita um número, um nome, uma mensagem, uma postagem, uma urgência. No íntimo, porém, sabemos que não é disso que precisamos. O que buscamos é apenas viver — com a leveza e a despreocupação dos frangos ciscando no terreiro, sob a sombra generosa das mangueiras, ouvindo o canto das cachoeiras que deslizam sobre as pedras sem pressa, alheias ao tempo.

Entretanto talvez isso não passe de um sonho utópico. O rio do peixe, antes cheio de peixes, hoje está envenenado. O frango já não cisca no quintal: vive confinado em galpões, engordado à base de ração, abatido em trinta dias. Pessoa que vivem na roça e nem sabem o significado da natureza, meta, dados, foco, ‘money for money’... A simplicidade se perde, e o que resta é apenas a saudade de quando a vida podia ser mais humana.






quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Quando o tempo tinha outro ritmo


Houve um tempo em que a vida corria mais devagar, e os pequenos acidentes do cotidiano pareciam tragédias irreparáveis. Hoje, revisitados pela memória, brilham como joias guardadas no fundo de uma gaveta antiga.

Uma ficha, duas, três. Era o drama de ver as fichas escorregarem no orelhão e a ligação se interromper no meio da conversa. Silêncio. Acabou. O mundo despencava ali, no barulho seco da linha cortada. O tum-tum-tum soava mais cruel do que qualquer despedida.


O álbum estava incompleto; faltava apenas uma figurinha. Ninguém tinha para trocar, ela não saía, e o buraco permanecia lá, vazio sem ela.
O tempo passou, os pacotinhos já não chegavam mais, as trocas se desfizeram junto com a infância, e o buraco ficou ali, guardado na memória como uma saudade.


Riscava justamente o melhor lado LP, houve um tempo em que se ouvia o Lado A e o Lado B. O disco girava, e cada estalo era uma cicatriz na canção — um desastre inevitável gravado para sempre no vinil, mesmo esfregando álcool ou perfume na esperança de apagar o risco — que não saía; o dano estava gravado. Tive alguns episódios assim, mas um me marcou: o LP ao vivo do Roupa Nova. Justo no lado B, na música “Volta pra mim”, um risco profundo. A frustração foi tanta quebrei o disco. Depois, com a ansiedade de quem precisa recuperar um pedaço da própria memória, saí em busca de outro exemplar para comprar.




Na máquina de escrever, o suplício vinha no fim da página: datilografar linha após linha, até que, na última palavra, um deslize. Sem fita corretiva, só restava recomeçar. Havia nisso uma lição de humildade: reescrever é também aprender a perder.

Gravar músicas do rádio era um aprendizado de paciência: o dedo suspenso sobre o botão REC, na espera da melodia sonhada. Um exercício de fé. Mas, quando enfim começava, lá vinha o locutor com sua voz impostada: “dez e quarenta e cinco” — e tudo se perdia. Pior era quando a canção acabava e ninguém dizia o nome do cantor. E quando a fita K7 era mastigada pelo toca-fitas, o barulho do plástico engolido soava como choro.




Havia também o ritual das figurinhas de chiclete. Raspar devagar, com todo cuidado, e descobrir, no fim, que o decalque havia saído incompleto, faltando justamente uma perninha do bichinho. Um aprendizado sobre a frustração, doce e amargo ao mesmo tempo. A vida dava suas aulas de imperfeição em papel de bala.

E a televisão, nosso elo com o mundo. O pai, no telhado, girando a antena, gritava de cima:
— Melhorou? Lá embaixo, a resposta soava como uma crônica doméstica:

— O 5 e o 7 estão melhores, mas o 4 e o 13 pioraram. Nunca todos os canais ficavam bons ao mesmo tempo.

Não faz tanto tempo assim. Eu vivi esses episódios no final dos anos 70 e início dos 80. Para nossos filhos, tudo isso parece pré-história. Mas nós sabemos: era vida acontecendo. Pequenos dramas, grandes histórias e uma saudade que hoje chega leve, com gosto de chiclete sem sabor, mas cheia de lembranças. Para nós, foram pedaços vivos de uma época em que a vida se escrevia com simplicidade. Pequenos dramas, grandes alegrias. E, no fundo, memórias que ainda hoje, quando retornam, nos arrancam um sorriso cúmplice com o tempo.






segunda-feira, 29 de setembro de 2025

A florada da jabuticaba - Saudade dos quintais.



As narinas se abrem à lembrança do tempo em que o vento trazia o perfume da florada da jabuticaba — um cheiro convidativo, que me conduz, sem pedir licença, de volta à infância. Era setembro, depois das chuvas de primavera, e os quintais se enchiam de aromas e sabores.

Naquele tempo, os quintais eram grandes, generosos. Havia neles um respeito silencioso pelas árvores; não se cortava tanto, não se cedia tão fácil ao concreto. O cimento ainda não sabia engolir memórias. Jabuticabeiras, goiabeiras e mangueiras se espalhavam com fartura, ao lado do cajá-manga e da pitanga, do tamarindo, das laranjeiras e dos limoeiros. Tinha ainda o cajueiro, com seu perfume adocicado, e o pé de amora, que tingia de roxo as mãos e os sorrisos das crianças.

Morei em quintais assim, generosos. Lembro-me especialmente de uma casa no final dos anos 70, um casarão de portas e janelas vermelhas, feitas de madeira maciça. No quintal, as jabuticabeiras viviam carregadas, e as goiabeiras insistiam em oferecer frutos doces mesmo sem cuidados. As casas vizinhas também guardavam seus tesouros: mangueiras de troncos imensos, que sombreavam as tardes quentes. O quintal era um pedaço da vida — simples, alegre, abundante.




Na minha estante guardo O Meu Pé de Laranja Lima. Mais do que uma história, ele é memória de um tempo em que quintais eram refúgios. Vi o filme, assisti à novela dos anos 80, e ainda me dói a cena em que arrancam o pé de Zezé para dar lugar a uma avenida. Aquele quintal imenso e frutífero foi soterrado pelo progresso, como tantos outros.


Assim também aconteceu com os quintais da minha infância: cederam ao concreto, às kitnetes, à pressa do progresso. E cada árvore que tombava parecia levar consigo um pedaço da nossa inocência.

Mas, vez ou outra, basta o cheiro da florada da jabuticaba para me devolver tudo: o quintal, os frutos, as tardes de primavera... e a saudade de um tempo em que a vida parecia caber inteira debaixo de uma sombra frondosa.

 





segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Quando as águas cantavam liberdade


 

Waldomiro (na boia Jairinho) Fábio e Dairon Junior

No final da década de 70, começo dos anos 80, havia um destino que sempre nos convidava quando surgia a oportunidade: a cachoeira do Montividiu. Não importava o meio de transporte — já fomos de Fusca, Jipe, Rural e, claro, no caminhão com sua carroceria sempre cheia de gente. O que valia era a ida, o caminho que se estendia muito além da terra vermelha do sertão, abrindo-se diante de nós como um horizonte sem fim no cerrado intocado.

As seriemas corriam à frente do caminhão, anunciando nossa passagem, enquanto fauna e flora se espalhavam em abundância, como um tapete vivo que nos guiava até o destino.

Naquele tempo, não havia porteiras com cadeado, nem cercas que limitassem a paisagem. O acesso era livre, quase como se a própria natureza nos recebesse de braços abertos. E assim, todos eram bem-vindos.

Marcello, Fábio e Jairon

Ao chegar, a cachoeira nos envolvia com sua água gelada, tão viva que parecia despertar a alma. O som da queda d’água era música constante, ecoando entre as pedras — uma canção que a memória nunca deixou de guardar.

Eram dias de simplicidade e encantamento. O riso se misturava ao barulho da água, o tempo parecia correr mais devagar e tudo tinha o sabor da liberdade. Aquele lugar não era apenas uma paisagem: era um pedaço de vida, guardado no coração como um tesouro que o tempo não apaga.


Mais que um passeio, era liberdade. Um tempo simples, que ainda hoje ecoa em nós como a própria canção da cachoeira. Mas o tempo passou... um dia, as porteiras se fecharam e os colchetes já não se abriram como antes. O “seja bem-vindo” se calou. A natureza continua lá, intacta em sua grandeza; as águas seguem caindo e cantando nas pedras. O que mudou foi o silêncio da vida que antes andava e voava solta por aqueles caminhos. Ainda assim, é como se o lugar sussurrasse: vem andar e voar... aqui o tempo espera... aqui é sempre primavera... vem andar e voa...








sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Hoje, do nada, me veio à mente a fila da merenda…


 



Quando estudava no Percival Xavier Rebelo, não havia merenda. Existia apenas uma cantina, que não tinha muitas opções, mas aquele amontoado de coisinhas. Assim que o sinal batia, corríamos para o pátio, onde nos esperava o picolezeiro, com seu carrinho abarrotado de cores e sabores. Entre tantas opções geladas, quase sempre eu acabava escolhendo o juju de tamarindo, o picolé de coco queimado ou, às vezes optava pelo o de creme holandês. Eram pequenas alegrias de criança que se encantava com pouco.

Já no Grupo Escolar Demolicio de Carvalho, a lembrança tem outro sabor. As cumbuquinhas azuis, o aroma da cantina, a expectativa de cada dia com uma merenda diferente: mingau de coco, sopa de legumes, escaldado, arroz com carne seca, o famoso Maria Isabel, macarrão com sardinha — que até hoje eu amo — e até arroz com carne moída. Confesso que tinha um carinho especial pelo arroz com carne seca… e o mingau, ah, esse sempre me apetecia.

No fundo, o que ficou não foi o prato, mas a cena da fila: os amigos da vila do Matadouro arranjando jeitos de repetir a merenda. A merendeira desconfiava, mas eles, espertos, lavavam o potinho e voltavam sorrateiros, tentando passar outra vez. Riam da travessura e, quando alguém não queria comer, outro logo aproveitava o pote para entrar de novo na fila. Pequenas lembranças que ainda guardam o sabor da infância.

A fila da merenda era muito mais que comida. Era convivência, era amizade. Memórias que hoje chegam com gosto de saudade, simples e verdadeiras, como tudo o que fica gravado no coração. Era infância em seu estado mais puro, leve como a saudade que hoje me visita.




 



sexta-feira, 12 de setembro de 2025

O que o tempo carregou - As coisas que ficaram na lembrança.


 


As mudanças chegaram de mansinho, quase sem pedir licença — e mal percebemos. O que ontem parecia tão presente, hoje repousa apenas na lembrança. Onde ficaram as coisas que acompanhavam a nossa vida? Por onde andam aquelas que caminhavam conosco?

De repente, nos damos conta de que tudo aquilo que fez parte da rotina já não está mais aqui. Por onde andam as coisas que víamos com tanta frequência? Os orelhões que nos conectavam ao mundo, guardiões de segredos apressados. As notas de um real que passavam de mão em mão, frágeis, mas cheias de valor. As revistas folheadas com encanto, exalando o cheiro do papel que trazia notícias e sonhos. Os vagalumes que iluminavam as noites de infância, dançando como estrelas ao alcance da mão. Os talões de cheque, símbolos de confiança e compromisso. Os números de telefone gravados na memória, sem aparelhos que ajudassem. Tudo tão comum... e, de repente, não se vê mais.



Aquilo que parecia eterno desapareceu em silêncio. A vida se move, o tempo não pede licença, e o que antes era cotidiano transforma-se em saudade. Talvez a lição seja simples: perceber o agora, abraçá-lo com intensidade, porque amanhã também será apenas lembrança.

A vida corre. O tempo não pede licença. O cotidiano se transforma em memória. No fim, o que era rotina se converte em saudade, e o tempo sussurra: nada é tão eterno quanto parecia ser. Algumas coisas desaparecem sem sequer serem notadas... O tempo anda a passos largos, mas o relógio gira no mesmo compasso. O giro é o mesmo — o que mudou foi a nossa percepção.

 




segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Guardo memórias, por isso eu conto histórias...


 


Eu tive e tenho as minhas memórias. Cada um guarda as suas, como pequenos tesouros escondidos no tempo. Nas gavetas e nas caixas organizadoras... São como malas silenciosas: cada história contada é uma forma de reviver, de não deixar que o fio do passado se rompa. Eu conto as minhas histórias… e tenho muitas. Não vivo preso ao passado, mas às vezes gosto de abrir essas malas e revisitar o que guardei. São lembranças que não doem, apenas falam baixo, como quem sopra: “você já viveu, já foi feliz, já aprendeu”. Afinal, cada dia vivido é também uma narrativa que se soma às lembranças.

As memórias são necessárias. Sem elas, não sabemos de onde viemos, nem para onde vamos. Não me prendo ao passado, mas gosto de visitá-lo de vez em quando, em silêncio e em pensamento. Revivo momentos não para lamentar, mas para recordar. O que já foi, já passou…, mas permanece em mim, em forma de lembrança.

Recordações são vestígios que o cérebro guarda das experiências. Já a memória é a capacidade de resgatá-las, de trazê-las ao presente. As recordações carregam beleza: a saudade, a alegria, até as lições aprendidas. São elas que aproximam o ontem do hoje e mantêm acesa a chama daquilo que nos fez ser quem somos.

Marcel Proust dizia: “certas recordações são como os amigos comuns, sabem fazer reconciliações”. E Honoré de Balzac lembrava: “a felicidade só cria recordações”.

Na infância, eu adorava assistir ao seriado O Túnel do Tempo. Fascinava-me acompanhar Tony e Doug em suas viagens inesperadas. Mais tarde, encantei-me com De Volta para o Futuro, filme que revi inúmeras vezes ao longo de quatro décadas. Talvez por isso eu viaje tanto em minhas memórias: é uma forma de percorrer o tempo sem sair do lugar. Basta fechar os olhos e lá estou eu, atravessando os corredores da infância, revendo rostos que já se foram, cheiros e sabores, lugares que mudaram, mas que permanecem em mim.

As recordações não pedem explicação. São vestígios da vida que se acumulam na alma. Algumas têm o gosto doce da felicidade, outras carregam a força da saudade. Todas me lembram que sou feito de histórias, e que viver é também colecionar memórias para contar.

As memórias não são prisões, são janelas. De vez em quando abro uma delas e deixo o passado entrar em silêncio. Recordar é viajar sem máquina do tempo: basta fechar os olhos. O que já foi não volta, mas permanece em mim — não como lamento, mas como história.

Sim, eu conto histórias. E, ao contá-las, descubro que a memória não é apenas um arquivo da mente, mas uma morada da alma. Fábio Trancolin contando histórias...

 



sábado, 6 de setembro de 2025

57 Anos: Setembros e Memórias: A Caminho do Clássico




Quando fiz sete anos, fui para a escola. O ano era 1975. Ali começava minha caminhada pela cartilha do saber — sem nem mesmo entender o que eu queria saber ou ser. As preocupações eram outras. Eu só queria brincar e aprender. Simples assim. Só isso. Cinco décadas se passaram, e aqui estou eu, em 2025.

Naqueles anos mágicos... quando eu anotava as datas no canto da folha do caderno, imaginava como seria viver nos anos 2000. Eu teria 32. Como seria? O que seria? Onde estaria? Diziam que os carros estariam voando... Na minha cabeça de criança, embalado pelos traços de Hanna-Barbera e pelo um dos meus desenhos favorito — Os Jetsons —, o futuro era feito de cidades suspensas e automóveis flutuantes. Pois bem… 25 anos depois, continuo esperando pelo voo...

Os setembros passaram... vieram e se foram trazendo as chuvas da primavera. Fui eu quem, em noite fria, se sentia bem. Eu amo as manhãs de setembro... A alma que sente, que lembra — que busca, que revive e que se lembra.

Com o tempo, a gente muda. A idade nos ensina a ver de outro jeito, a pensar de outro jeito, a analisar de outro jeito. Agora, enquanto escrevo estas linhas, ouço nos fones uma canção que embalou noites e madrugadas no velho rádio AM. Tocava em 1982. Toca até hoje. Está na minha playlist: Classic, de Adrian Gurvitz. Ela começa assim: “Got to write a classic...” — “tenho que escrever um clássico”. Tenho que escrevê-lo e enviá-lo imediatamente. E, falando em clássico… percebo que não estou apenas envelhecendo: estou me transformando em um Clássico.

E talvez eu tenha feito isso. Talvez eu tenha escrito meu próprio clássico, sem perceber. Nos sonhos que vivi, nas histórias que contei, nas memórias que guardei. Nos momentos de que participei. Porque... sim... eu conto histórias. E elas me contam de volta quem eu sou. Porque eu conto histórias. E essas histórias... de algum jeito... contam de volta quem eu sou. Chegou os 57 anos... Eu não estou envelhecendo. Estou me tornando um clássico.



terça-feira, 2 de setembro de 2025

Flores e vozes: certifique-se de usar algumas flores no cabelo...



 

O mundo nunca deixou de mudar. Aprendi cedo que nada permanece igual — tudo se move, tudo se transforma. E foi dentro da Doutrina Espírita, que se tornou o alicerce da minha vida, que encontrei a explicação: a Lei do Progresso. Somos empurrados para frente — ora pela razão que ilumina, ora pelo coração que aprende a amar. Mesmo quando o orgulho e o egoísmo nos fazem tropeçar, a estrada continua e nos obriga a seguir. É a força que nos impele a crescer, mesmo quando resistimos. Entre quedas e aprendizados, a vida nos leva da simplicidade à perfeição.



Nasci em 1968. Naquele tempo, o mundo estava em ebulição. Nas ruas, os jovens gritavam contra guerras, sonhavam com justiça, experimentavam novas formas de ser. Eram tempos de protestos, rebeldias e sonhos. A juventude não aceitava calada as imposições; reivindicava direitos e inventava modos novos de viver. Flores no cabelo, músicas que embalavam utopias, a sensação de que era possível reinventar tudo.

Recordo a canção de Scott McKenzie, lançada pouco antes: “Se você estiver indo para São Francisco, certifique-se de usar algumas flores no cabelo...” Mais do que um convite, era uma prece vestida de música. Uma promessa de que a bondade podia florescer nas ruas, de que pessoas gentis se encontrariam para viver um verão de amor. Sinto como se fosse uma prece simples, mas cheia de esperança, um convite à gentileza, à fraternidade, à crença de que as ruas poderiam ser tomadas pelo amor.



Mais adiante, recordo outra melodia que atravessou gerações: “Pride (In the Name of Love)”, do U2, homenagem à coragem de Martin Luther King Jr., que enfrentou o ódio com a força do amor e no ano em que nasci, tentaram silenciar sua voz numa manhã de abril, mas não conseguiram. O corpo pode tombar, mas o espírito segue ecoando. E sem esquecer do Maior que esteve entre nós: um dia, Ele passou por aqui. Sua voz só falava de amor, seus gestos eram amor. Tudo que deixou permanece e sempre existirá. Talvez seja isso que a vida me ensine: a história muda, os cenários mudam, mas a essência é a mesma. É sempre sobre buscar liberdade, sonhar com um mundo melhor, acreditar que o amor é mais forte que qualquer escuridão.



De 1968 até hoje, tudo mudou. Eu mudei. O mundo mudou. Mas a certeza permanece: estamos todos em marcha, guiados pela mesma lei que não nos deixa parar — a Lei do Progresso. E, no fundo, cada passo é um convite permanente a colocar flores no cabelo da alma e seguir adiante, acreditando que, apesar de tudo, o amor continua sendo a única revolução verdadeira.

Setembro chegou. Venha ver a primavera pelas manhãs, através da janela lateral ou do muro dos vizinhos. O sol de primavera desperta a bondade nos campos. Não deixe de sonhar que a paz chegará e fará morada no quarto de dormir. A lição nos foi ensinada há muito tempo, quando alguém aqui esteve e plantou a semente. Sabemos de cor essa lição; não a esquecemos. Devemos ensinar e aprender, repetir o que foi dito há muito tempo atrás, mantendo viva a verdade do amor. “Se você estiver indo para São Francisco, ou seja, para onde for, certifique-se de usar algumas flores no cabelo...”



Seja em São Francisco ou em qualquer lugar do mundo, leve flores consigo, nem que seja apenas na memória ou no coração. E, neste dia da Kombi (2 de setembro), recordemos as velhas kombis floridas dos anos 60: pinte com flores a sua estrada e venha somar na construção de um mundo mais leve, colorido e melhor. Chegou setembro, chegou a primavera! O sol aquece, a paz chama e o amor pede passagem. No dia da Kombi, que tal lembrar as kombis florescidas dos anos 60? Pinte sua estrada com flores e ajude a fazer o mundo mais bonito.

 



segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Carta para o futuro - (colocada numa cápsula do tempo)





1º de setembro 2025.

Meu pai partiu aos 80 anos. Ainda me restam 23 para alcançar essa marca. Curioso… 23 é também a idade da minha filha caçula, hoje. E 23 anos… cabem num piscar de olhos, passam voando. Quase nem vi passar. Como disse meu pai uma vez — com aquele sorriso sereno e cansado —:  “Demorou, mas passou rápido.” Demorou. Mas passou. Hoje escrevo esta carta como quem lança uma garrafa ao mar. Eu vou guardá-la numa cápsula do tempo — para mim mesmo. Se tudo correr bem, se a vida permitir, abrirei em 2048, e voltarei a estas palavras. E, se eu já não estiver aqui… que pelo menos elas fiquem.

O Fábio de 2025 manda lembranças para o Fábio de 2048.

Espero que você esteja bem. Que tenha chegado até aqui com a mente lúcida, o coração tranquilo e as articulações funcionando — ou, ao menos, caminhando sem muito barulho. Porque, depois de certa idade, a gente vira um Fusca: o que importa não é o ano de fabricação, mas o estado de conservação. Mas, se nem tudo estiver tão bem assim, quero te lembrar de algumas coisas…

A vida muda. As pessoas mudam. Mas espero que você não tenha se esquecido de quem é. Nem de onde veio. Nem do que faz seu coração bater mais forte. Espero que ainda fale com seus amigos — ou, pelo menos, pense neles de vez em quando. Sei que você sempre guardou lembranças nas gavetas — físicas e da alma. E, se eu te conheço bem, elas devem estar ainda mais cheias agora: coleções, recortes, bilhetes, cheiros, silêncios. Que você tenha lido os livros das tuas estantes. Espero que você ainda sonhe. Não com sonhos de valsa — esses esfarelam, restando só o papel cor de maravilha —, mas com aqueles sonhos que dançaram contigo na juventude. Talvez nem todos tenham se realizado. Mas você sonhou — e isso sempre valeu a pena. E, quem sabe, até realizou alguns... ou muitos.

Espero que você ainda acredite no que sempre te moveu: a esperança. Sim, aquela esperança teimosa, que resistiu a tudo — aos medos, às perdas, às quedas. A mesma que andava de mãos dadas com a fé e com a caridade — esse trio silencioso que te sustentou nos dias mais duros. Espero que ainda tenha tempo para fazer algo pelo próximo. Que ainda encontre tempo para estender a mão a alguém. Que ainda sinta o chamado de fazer algo pelo outro, mesmo que pequeno — porque isso sempre foi parte de quem você é.

E, acima de tudo, espero que você ainda se comova com o céu — com o nascer do sol, com os entardeceres silenciosos, com a noite… seja ela bordada de lua ou despida de luz. Olhe para cima: ainda há um chão de estrelas à espera do teu olhar.  Nunca faltou um cachorro em casa; acredito que você tenha um — ou talvez mais —, pois esses anjos de quatro patas sempre protegem nosso ser e nossa alma. Acredito que uma música boa ainda te cause arrepios — daquelas que surgem do nada e reacendem lembranças esquecidas... Beatles, Elvis, Bee Gees e Roberto... Porque música boa não envelhece — ela permanece. E que o a-ha ainda te desperte todas as manhãs, com aquela batida que mistura juventude e eternidade. Que te lembre de quem você foi… e, sobretudo, de quem você ainda é.

E, se o brilho do seu olhar estiver opaco… talvez seja só catarata. Opere. Vai melhorar.
Mas, se for tristeza… escave. A luz ainda está aí dentro. Espero que, apesar de tudo, você ainda seja você. Ou, se tiver mudado, que tenha sido para melhor. Porque, no fim, é para isso que estamos aqui: para crescer, para evoluir, para aprender a amar melhor. E, mesmo que o caminho tenha mudado ao longo dos anos, que você nunca tenha perdido o rumo. Com carinho, Você. Hoje.




domingo, 31 de agosto de 2025

31 de agosto de 1943: Um registro da história e da memória familiar


 


Na foto, está gravada à mão essa data, testemunho de um tempo que já soma 82 anos. Ali aparece nosso avô, Henrique Nogueira Duarte, mineiro de Patos de Minas, que no final da década de 30 cuidava com dedicação do campo de aviação de Rio Verde, então localizado onde hoje é o Parque de Exposições Agropecuário.

Foi nesse ambiente que, em janeiro de 1941, nasceu meu pai, Jairon Nogueira Duarte,  o último filho do “Henriquinho” Uma história curiosa, entre tantas contadas por ele, está a de que no próprio dia de seu nascimento um avião caiu no quintal de minha avó, derrubando o pé de limão que ela cultivava. 

O campo de aviação mais tarde foi transferido para onde está até hoje. E na década de 70, outro “Nogueira Duarte”, meu tio Anaetes, deu continuidade ao legado, assumindo o cuidado do aeroporto. Recordo com carinho as idas no final da tarde, dentro dos “fusquinhas” branco e azul que meu pai tinha. Subíamos a estradinha de areia que começava logo depois da ponte do Córrego do Sapo e passava pela porta do Clube Campestre. Naquele tempo, ali terminava a cidade. Depois era só cerrado preservado e horizonte aberto. Eram tempos em que a visita ao local, ao final da tarde, se transformava em verdadeira festa para a família, percorrendo a estradinha de areia rumo ao pôr do sol.

Atualmente, o aeroporto de Rio Verde leva o nome de Aeroporto General Leite de Castro, em homenagem ao brigadeiro e ministro da Guerra no governo Getúlio Vargas. Natural de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, o general faleceu em 1950. Ressalto que não teve ligação direta com a história ou com o desenvolvimento do município. Sem desmerecer a homenagem, trata-se apenas da minha opinião: acredito que esse cidadão provavelmente nunca chegou a conhecer a origem da cidade de Rio Verde.

Anos depois, chegou a ser apresentado na Câmara Municipal um projeto para dar ao aeroporto o nome de Henrique Nogueira Duarte. Embora tenha sido arquivado, permanece viva a memória de seu amor e dedicação por aquele lugar, que para nós sempre será lembrado como: “Campo de Aviação Henrique Nogueira Duarte.”

Às vezes, alguns nomes acabam sendo esquecidos, mesmo tendo contribuído de forma significativa para o desenvolvimento local e para a construção das páginas da história do município. Poderia citar inúmeras pessoas que ficaram no anonimato, enquanto outros foram lembrados em placas e homenagens, muitas vezes apenas por motivos de cunho político.